DEUS E DEUSES

  LITERATURA DE NELSON LORENA

Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.






A literatura de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentos artigos sobre história, ciências, humor, crônicas locais, crítica, política e religião. A matéria de hoje foi originalmente publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano II, edição nº. 74, de 16 a 22 de novembro de 1978.



DEUS E DEUSES


NELSON LORENA


A concepção que possuímos de Deus varia de indivíduo para indivíduo, subordinada que está, a sutis gradações do Espírito, em sua escalada. Cada um de nós, O concebe, amoldando-O ou estacionando-O no degrau do próprio entendimento. Desde os mais remotos tempos, Deus deixou de ser a Infinita Bondade, o Infinito Amor, A Causa primária de todas as coisas, para ser, tão somente, o Efeito da mente humana, atrelada que sempre está ao carro de nossas conveniências, de nossos elásticos e mesquinhos interesses. Jamais O vimos, e jamais foi visto e ouvido por alguém. Deus teria revelado ao homem, por intermédio de seus mensageiros, um breve código de conduta capaz de refrear, em muito, os impulsos de materiais desejos. Mas, a violência desses impulsos rompeu o freio do código e o homem criou para si outro Deus, condicionando-O a interesses subalternos e conveniências rasteiras. Um Deus de dupla face: uma voltada para o Céu e outra para a Terra. Um Deus que diz “Não matarás” e outro que manda Moisés matar os egípcios. O Deus que nos recomenda o “Não furtarás”, não é o mesmo que autoriza David ao saque e à rapina. O Deus do “Não adulterarás”, do “Não cobiçarás a mulher do próximo”, positivamente não é o mesmo que se alegra e premia a David com o adultério com Tatezabé, pelo assassinato premeditado de Urias, seu esposo. O Deus que abençoou o Papa Formoso, e que lhe ministrou os Santos Viáticos, não é o mesmo que mandou seu sucessor, o Papa Estevão VII, desenterrá-lo, despi-lo de suas vestes sacerdotais, cortar-lhe os três dedos, com os quais dava a benção papal, e atirá-los no rio Tibre. Que diferença, do Deus que mandou, em 1431, queimar viva como herética, feiticeira e demoníaca, a jovem Joana D’Arc, para o Deus que, quatrocentos e setenta e oito anos após, a absolve e santifica! Em nome de Deus, exterminam-se, cristãos e muçulmanos no Líbano, católicos e protestantes na Irlanda, tudo na ambição do predomínio de uma facção sobre a outra, com o olvido e indiferença ao “Amai-vos”, do homem de Nazareth! E, Deus, esse extremado pai, continua incompreendido. Lemos nos jornais, e a TV nos trouxe a notícia, do seqüestro e morte do Juiz de Direito de Três Rios. Soubemos que lhe foi negada a assistência espiritual da Igreja, após a morte e que, ante a negativa da encomendação do corpo, uma piedosa Senhora, lembrando o Deus que Cristo personifica, o Seu “perdoar setenta vezes sete”, procedeu a encomendação. E, a razão parece existir no fato de o Juiz ser divorciado, condição contrária à linha de conduta da religião. Se assim for, o Juiz, ao conseguir o divórcio, nada mais fez do que cohonestar uma situação moral desagradável perante o público, solucionando na Lei e no Direito, aquilo que de fato existia como um problema e que a dignidade de seu cargo o exigia. Pecou por isso? E, se pecou, o zeloso pároco poderia bem ter-se lembrado de uma lei que mandava apedrejar a mulher adúltera, e que Jesus se sobrepôs à lei, perdoando o seu pecado. Por que não imitá-lo? Éramos moços, quando uma amiga nossa morreu. Pessoas amigas intercederam junto ao padre local para a realização da missa de sétimo dia. Foi negada a permissão, em razão da crença espírita que ela professava, dias passados, padre Antonio, de Silveiras, encontra-se com o viúvo e lhe diz: “Meu amigo, rezei ontem uma missa pela alma de sua esposa, com toda piedade e unção”. Duas concepções diversas entre Deus e deuses. No pecado, a responsabilidade é da alma que comanda o corpo, corpo que bem poderia ser encomendado a despeito de sua decomposição, no caso do Juiz. A intolerância sistemática é dissolvente, somente o Amor constrói para a eternidade.

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Ao professor e jornalista José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal "O Cachoeirense, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.


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