UM POUCO DE HUMOR

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.






A literatura de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentos artigos sobre história, ciências, humor, crônicas locais, crítica, política e religião, escritos entre 1978 e 1990.  A matéria de hoje foi originalmente publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano II, edição nº 76, de 30 de outubro a 05 de novembro de 1978.



UM POUCO DE HUMOR
NELSON LORENA

Tem sido objeto de nossas observações que, de um modo geral, existe mais bondade de coração entre as pessoas humildes, simples, desprovidas de cultura, que mesmo entre as de ampla cultura e abastadas economicamente. Despertou minha curiosidade o fato de Jesus procurar, entre as primeiras, os seus apóstolos. Hoje logo cedo me lembrei de um amigo cujas virtudes o enquadra em minhas observações. Dava uma vota pelo amplo quintal de minha casa, quando deparei com uma paineira robusta e imponente. Foi o Juca Carlos que a plantou. Em seguida, havia sido vereador e personagem de um fato que nos foi assim contado. Conversavam Tonico Mendes, Juca Carlos, Abdias, seu irmão e mais membros da Câmara... Em certo momento, foi reclamada a ausência de sessões da edilidade e sugerida a data para a próxima reunião. O comparecimento, era como acontece hoje com a nossa Academia de Letras, a coisa mais difícil deste mundo; foi quando o Juca, sempre sentado sobre os calcanhares, cortando o seu fumo de rolo, dirigiu-se ao irmão: “Bidia, me dá uma paia pro meu cigarro, aí”, e em seguida: “Bobage fazê sessão; Tonico faz a ata e nóis sina depois”. Eu sua simplicidade ocultava-se apostolicamente, uma alma afeita ao Bem, primeiro passo para uma vida Maior.

1918. Grassava a Hespanhola, a gripe que dizimou grande parte de nossa gente. O movimento de trens na Central era precário, pela falta de empregados ao serviço. O telegrafista Lorena, pai do cronista, foi chamado a substituir em Itatiaia, um colega enfermo. Foi logo apresentado à família do agente da Estação. Sabiam-no músico e violonista. Fizeram-no cantar e tocar um pouco de violão. Reviveu Catulo, na exuberância de seus versos, e agradou a todos. À noitinha, foi convidado a jantar com o Agente. Ficou conhecendo nessa hora, sua filha, bela moça dona de requintada sedução e encanto. Enquanto providenciava-se o jantar, fizeram-no cantar mais um pouco; deram-lhe o violão, onde então revelou todo o sentido e amor pela arte que o inspirou desde a infância. À mesa, na hora do jantar colocou o garfo entre os dedos, à guisa de um manipulador do telégrafo Morse, e “telegrafou” ao agente: “Vou jantar com raro apetite”. Ao que o anfitrião perguntou: Por que seu Lorena? “A simpatia de sua esposa, o encanto de sua filha, sua graça, sua beleza, a isso convida”. A moça sorriu e pegando também no garfo, respondeu: ”Muito obrigada, seu Lorena, por mim e minha mãe”. Disse-me meu Pai, ao me contar o fato: “Sorri desapontado, a moça era também conhecedora da telegrafia Morse!” “Foi um galanteio paternal, mas, imprudente!”

Sábado, trinta de dezembro de 1915, mais ou menos dez horas. Jogávamos uma pelada no campo do Cachoeira, atualmente, Praça Prado Filho. Lá estávamos, entre outros, Palazinho, João Africano, Bentinho, Cascudo e eu. Éramos crianças, irresponsáveis e despreocupadas das coisas sérias da vida. Uma constante alegria embalava nossos dias. Cascudo, como ainda hoje, tinha “peito de pombo” como denomina a medicina aos portadores de deformação torácica produzida pela bronquite. Estava jogando no gol, talvez por isso mesmo. Lá pelas tantas, chega um garoto bradando com alarido; “Cascudo sua mãe morreu!” Ao que Cascudo pergunta, “Hein? O que você disse?" “Sua mãe morreu agora mesmo; afirma o menino”. “Vou agora mesmo; quero só defender mais uma bola.” Depois de muitos chutes pra lá e pra cá, fui eu quem chutou a última para o Cascudo defender, o que fez, e saiu correndo. Deus, parece ocultar ou poupar à criança o sofrimento que somente a maturidade suporta.

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Ao professor e jornalista José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal "O Cachoeirense", os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.

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A ARTE DE NELSON LORENA

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