A INGRATIDÃO DO IMPERADOR

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.






A literatura de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentos artigos sobre história, ciências, humor, crônicas locais, crítica, política e religião, escritos entre 1978 e 1990. A matéria de hoje foi publicada no jornal "O Cachoeirense" Ano II, edição nº.79 de 20 a 26 de novembro de 1978.



A INGRATIDÃO DO IMPERADOR

NELSON LORENA

Certa vez, quando moço, estava para me casar. Participando à minha avó, minha pretensão, perguntou-me se eu amava a jovem com qual iria aliar meu destino; ante a resposta afirmativa, disse-me que o Amor, o verdadeiro Amor, em essência, não existe, o que realmente existe é um desejo de posse. Nunca mais esqueci o conceito por ela emitido, talvez baseado na experiência dos seus oitenta anos. O tempo passa célere, como corça acossada e espavorida ante um incêndio devastador que, não raras vezes, traz a dor, a desilusão e a angústia, que ensombram nossa alma, ferindo o sentimento chamado Amor, que a mercê dessas alternativas, perde a imutabilidade de seu caráter, evola-se a pureza de sua essência. A observação das coisas, é uma constante em nossa vida, que nos leva a conclusões mais ou menos reais, à medida que os anos passam. Há evidentemente, um sentimento muito forte que nos aproxima do ente querido, mas que está longe de poder ser considerado Amor. Sentimento que nos entusiasma, nos dá graça e alegria, algumas vezes toldado pelas próprias contingências da vida. O ardor dos jovens manifestado em seus colóquios nos bancos dos jardins, nas ruas, nos portões, não se repetem após o casamento. Que sentimento a isso os leva? Desejo de posse? Depois o fastio? Aquele ardor que caracterizava a posse do desconhecido, desaparece com o tempo, ocupando seu lugar um outro, que vai da amizade comum à intolerância e muitas vezes à ingratidão. Não iremos falar do filho de David, que violenta a irmã num desejo irrefreável de posse, e depois a repele enjoado! Nem tampouco do abandono, a que expôs Santo Agostinho sua amante e seu filho, amante que lhe soube ser fiel até a morte! Vamos falar do nosso Pedro I. Suas aventuras, não possuíam limites; teve filhos por toda parte, até com uma monja! Mas, nos parece que a Marquesa de Santos, pelo prestigio que desfrutava no Paço de São Cristóvão, era sua amante preferida. Pela carta que, na íntegra, vamos transcrever, escrita “com arrepios de paixão” vemo-lo um apaixonado. Eis a carta:

“Meu amor Meu tudo, no dia em q. fazia trez annos q. comecei a ter amizade com mecê, assino o tratado de nosso reconhecimento como Império, por Portugal. Hoje q. mecê faz os seus vinte e sette recebo a agradável notícia q. no Tejo tremula em todas as embarcaçõens nele surtas o Pavilhão Imperial, effeito da ractificação do Tratado por El Rey meu augusto Pay. Quanto he para notar huma tal combinação de acontecimentos políticos com os nossos domésticos, e tão particulares!!! Aqui há o q. quer q. seja de misteriozo q. eu por hora não devizo; mas q. indica q. a Providencia vella sobre nós (e se não he pecado) athe como, aprova tão cordial amizade com tão celebres combinações. Como estou certo q. mecê toma parte e bem apeito nas felicidades e infelicidades de nossa cara Pátria porisso tive a lembrança de lhe escrever. Este seu fiel constante disvellado agradecido e verdadeiro amigo e Amte. O IMPERADOR. P.S. Não responde p. não se encommodar e perdoe a carta ser tão grande, e maior q. fosse ainda não dizia o q. querem dizer taes combinaçõens”.

Em 1831 Pedro I vai para Portugal; nasce-lhe com a Marquesa, seu quinto filho. Parece que, por fim, estava enfastiado daquela que foi pasto de sua irrefreável sensualidade, como Anmom o filho de David e Agostinho antes da conversão, deixa esta sátira contra a Marquesa:

“De coiro, duros e molles/
Broacas, sacos, colchõens/
Borrachas, odres e folles/
Faz-se grude com q. coles,/
Cadeiras, catres e mesas,/
Fazem-se outras miudezas,/
Bainhas, luvas e calçados,/
E athe de maos atanados/
também se fazem Marquezas."/

O conceito sobre o Amor, emitido por minha interessante e culta avó, talvez se apóie nesses exemplos que a vida se nos oferece. A posse do objeto amado é a mais justa aspiração do homem. A sabedoria consiste em saber Possuir, descobrindo a cada dia que passa, novos encantos na pessoa amada, sem a pretensão de encher de água um tonel furado, dando assim perpetuidade à Paz e à Felicidade.

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Ao professor e jornalista José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do Jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos, pelo acesso aos originais.


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