O QUE A HISTÓRIA NÃO CONTA

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.






Com sua característica fertilidade, Nelson Lorena escreveu, em forma de crônicas, sobre história, ciências, retratos do cotidiano, crítica, política e religião, entre outros temas. Do seu acervo literário produzido entre 1977 e 1990, a matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano III, edição nº. 110, de 02 a 08 de julho de 1979.



O QUE A HISTÓRIA NÃO CONTA

NELSON LORENA


Há tempos, escrevemos sobre a face oculta de nossa vida. Referíamos ali, ao homem comum. Mas, os grandes vultos da história possuem, também, uma face oculta, onde existem aspectos e realidades que desfigurando sua imagem, tornam-se inconvenientes e impróprias ao conhecimento dos indivíduos em sua fase educacional nos estabelecimento de ensino. De pesquisa em pesquisa, os historiadores descobrem, e dão publicidade, ao lado desconhecido, até então, à vida intima ou privada dos homens, que a História oculta. Parece-nos que a História Bíblica é a única que, imparcial em seu julgamento, não refreia as “inconveniências” ao leitor. A Bíblia chamada também Sagrada, quando fala de Salomão, de Moisés, de Abraão, David, Samuel, Amon e outros, não oculta, ao lado de suas virtudes, seus crimes, a idolatria, a poligamia, o assassínio, a sedução, o estupro e outras aberrações da personalidade. E, são tantas que somos propensos admitir o exagero ou deturpação da tradição, já que, como diz Carlyle, a falsidade da História é tão velha como a própria História. Hoje, revendo a tela que, no Museu Maestro Lorena, retrata a passagem de S.A.Imperial o Príncipe D.Pedro, pelo Morro Vermelho, em Cachoeira, em 18 de agosto de 1822, com sua comitiva, num esforço retroativo de nossa imaginação, vimo-los na estalagem do Racho dos Moreiras, no entroncamento da Estrada do Sal, com o Caminho Novo da Corte, trocar de animais, fazerem uma refeição ligeira e em seguida rumarem para Lorena. Em seu temperamento ardente, fogoso, apaixonado e estouvado, característico do latino, lembrei-me também de Napoleão. Entre os dois imperadores, semelhantes em seus temperamentos sensuais e apaixonados, a diferença consiste somente no fato de que, enquanto o corso era protegido por Marte, o lusitano era o favorito de Vênus. O Amor é uma determinante dos jovens, sem distinção qualquer. Tanto ama o rei como o lacaio, o sábio como o hotentote. Sete dias após sua passagem por aqui, D.Pedro chega a 25 de agosto, em S.Paulo. Alguém, numa cadeirinha carregada por escravos, afasta a cortina para ver a nobre comitiva, onde uma figura insinuante se destacava. Era o príncipe que, percebendo a curiosidade feminina, desceu da égua baia que montava e galanteador como sempre, dirige-se à dama: “Que descansem os pobres escravos! Eu e um dos meus companheiros, levaremos a cadeirinha de Vossa Mercê”. A elegante dama, era Domitila de Castro Canto e Melo. Hospedado em casa de João de Castro Canto e Melo, pai de Domitila e também de Francisco, irmão, já componente da comitiva real, persuade a família a mudar-se para o Rio, onde já Francisco morava. Domitila que se casara com quinze anos de idade, possuía três filhos e já era divorciada. Vamos abreviar a estória. Com 28 anos já era viscondessa e logo após, Marquesa de Santos. Em 02 de dezembro de 1825, nasce D.Pedro II, filho de D.Pedro I e Leopoldina, cinco dias após, nasce Pedro Brasileiro de Alcântara, filho de D.Pedro I e Marquesa de Santos! Em sete dias, dois filhos! É a “fertilidade do amor”!
Em um de seus bilhetes à Marquesa, dizia: “Em casa nunca falei em Mecê, e sim em outra madama, para que ela (a imperatriz Leopoldina) desconfie de outra e nós vivamos tranqüilos, à sombra de nosso saboroso amor”. Em outro bilhete: ”Permita-me cara Titila, que eu vá lá esta noite e para isso, manda estar aberta a porta na forma do costume”. Falecida a Imperatriz, D.Pedro I, frustradas as tentativas de casamento com a Marquesa, por não ser de descendência real, insiste com ela para acompanhá-lo a Portugal, o que a Marquesa não concordou. Talvez, por isso, magoado, escreveu os versos: “De couros duros e moles,/ faz-se grude com que coles./ Cadeiras, catres e mesas/ fazem-se outras miudezas./ Bainhas, luvas, calçados/ e até de maus atanados/ também se fazem marquesas.”
Quanto a Bonaparte, o protegido por Marte e infeliz com Vênus, casou-se com Josefina, viúva, seis anos mais velha que ele. Era braquitipo e talvez essa postura física houvesse influído na instabilidade de seus amores. À Josefina escrevia: “Eu desperto junto a ti. A enervante noite de ontem, não deixou repousar meus sentimentos. Doce e incomparável Josefina, que estranho poder tens sobre meu coração! Um milhão de beijos mio dolce amore, mas não m’os dê, pois queimam meu sangue.” De volta da campanha do Egito, soube da infidelidade da esposa. Depois, casa-se com Maria Luiza, a gordinha princesa, a quem, tudo leva a crer, amava. Suas cartas a ela dirigidas deixam isso transparecer: “Minha boa Luiza. Meu maior prazer, consiste em ler as tuas cartas; é a primeira coisa que faço, quando chega o estafeta, são encantadoras como tu mesma. Pintam-se a alma formosa e nelas se vêem todas as tuas belas qualidades. És perfeita. Minha saúde é ótima. Beija por mim meu filho três vezes. Adeus querida. Teu Nap.” Cartas cheias de encanto natural que do amor, brota, e que, por ser divino, sobrevive ao corpo putrescível. Eis aí, caros leitores, as estórias dentro da História e que a História, não conta.


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Ao professor e jornalista José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do Jornal "O Cachoeirense", os nossos agradecimentos, pelo acesso aos originais.


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