O MAIS INTELIGENTE E MAIS ESTÚPIDO DOS ANIMAIS

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.




O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, escritas entre 1977 e 1990. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano VI, edição nº.263, de 12 a 18 de julho de 1982.




O MAIS INTELIGENTE E MAIS ESTÚPIDO DOS ANIMAIS

NELSON LORENA



Em dias passados, há meses, encontrava-me no porão onde trabalho em meio a uma “tranqueira” entre, banca de carpinteiro, ferramentas, esculturas, máquina de escrever, pincéis e tintas, quando fui despertado pelos gritos da Lili, uma irrequieta e trêfega menina, nossa vizinha. A mãe lhe dava umas palmadas, como após verifiquei, porque ao passar um automóvel em frente à sua casa, arremessou uma pedra no pára-brisa reduzindo-o a estilhaços que encheram de fragmentos poeirentos a cara do motorista, as vestes e bancos e, fugindo às conseqüências que sua infantilidade não permitiu que ignorasse, refugiou-se entre as pernas e vestes da mãe. O motorista freando o carro, empoeirado do material destruído, volta e faz à mãe assustada as justas recomendações. Em resumo: umas palmadas e a indenização de milhares de cruzeiros, que foi lhe imposta para ressarcir os prejuízos. Temos observado que, nós os homens, agindo como verdadeiras crianças somos conduzidos a erros graves. Não vamos voltar aos tristes tempos de 1914 e 1938, em que os inimigos de ontem se abraçam e se beijam como certos casais que se insultam e depois dormem juntos. Vamos nos referir às Malvinas, em que o presidente Galtieri atira balas no “pára-brisa” britânico e, como nossa Lili, recorre aos vizinhos solicitando auxílios morais e materiais, firmados num tratado em que o signatário mais importante tornou-se “farrapos de papel” e que, prudentemente, seguiu o preceito bíblico, “alia-te ao mais forte”. Como adiante veremos, a Argentina tem direitos sobre as Malvinas; não tinha razão em proceder violentamente como fez, pois, a solução diplomática reforçada com o peso do bloco latino seria o caminho certo. Cutucou o leão britânico com vara curta e, aquilo que na expressão do comandante da esquadra inglesa disse ser “um aperitivo”, está lhe custando vidas, mortes, orfandade, viuvez e sofrimentos. Segundo sabemos, o primeiro navegante a avistar as ilhas foi Américo Vespúcio, em 1501. Os ingleses ali estiveram, de 1765 a 1774; posteriormente, os espanhóis. Após a retirada destes, foram as Malvinas ocupadas pelos argentinos, em 1811. A Inglaterra ao assinar o tratado de Amizade com as províncias Unidas Del Rio de La Plata, em 1825, desconheceu-a como nação soberana, sem qualquer contestação à posse da Malvinas. Oito anos após, em 1833, os ingleses, que nunca esconderam suas ambições no Atlântico Sul, invadem violentamente as ilhas e ali se mantiveram até hoje. É preciso que se pergunte, quem tem direito à posse? Qual o agressor? Responderemos que é o mesmo que ocupou as ilhas Martin Vaz e Trindade e somente no-las devolveram, 50 anos depois, em 1895, assim mesmo, porque não tinham água. É o mesmo que ocupou o Forte São Joaquim, na fronteira com a Guiana Inglesa, cuja guarnição brasileira foi retirada para combater a Cabanada no Pará, em 1840, alterando os limites que deveriam ser no Rio Essequibo, com prejuízo territorial para o Brasil de, aproximadamente, cem mil quilômetros em área petrolífera. É a Historia que isto nos revela e também que jamais foram sólidas as conquistas realizadas com as guerras. Um dia, o colonialismo desaparecerá da face da Terra, as fronteiras serão abolidas e o mundo verá um só pastor e um só rebanho. Enquanto isso não se concretiza, veremos o mais inteligente dos animais e também mais estúpido, envolver-se na destruição da espécie, em vaidosas e efêmeras conquistas que se dissipam sob o manto silencioso que encobre as tumbas.



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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.


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