UM HOMEM ETERNO

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.




O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, escritas entre 1977 e 1990. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano VII, edição nº.485, de 09 a 15 de fevereiro de 1987.



UM HOMEM ETERNO

NELSON LORENA


Houve um HOMEM, dentre os raros de que tenho conhecimento, que justamente hoje, quatro de fevereiro, completaria cento e onze anos, se não houvesse sido afastado do nosso convívio pela força inexorável do Destino. Com um ano de idade veio para nossa Cachoeira, para daqui jamais sair. Filho de músico, logo cedo lhe despontou o dom que o acompanharia durante oitenta anos, desde quando fazia flautas de bambu e com elas tocava melodias de seu tempo ao calor das chamas do fogão de lenha, nas noites hibernais. Irrequieto, na puberdade revelou-se peralta, travesso, enquanto toda molecagem constituía o seu divertimento preferido. No morro de Donana Pinto, onde está a atual Rua Capitão Inácio Pinto, ficava o quartel de suas traquinagens.

Como as construções se sucedessem, do sertão ou das fazendas saiam os carretões, carros de bois adaptados, sobre os quais eram transportadas vigas de canela preta e graúna, para a edificação dos cantos das casas. À noite, deles se desatrelavam os bois, que eram levados aos pastos de propriedade do Cel. Juquinha, hoje Chácara do Moinho. Juca, como assim era chamado, usando de “engenho e arte” e ajudado por companheiros, deslocava os carretões, já liberados da carga, e os soltava morro abaixo. Comumente, os buracos produzidos pela erosão retinham-lhes a carreira. Certa noite, um carretão, diabolicamente guiado, livrando-se das erosões penetrou no prédio, onde atualmente se lê “Peixe Vivo”, derrubando paredes e portas, e quase mandando para a eternidade o seu morador!

Na adolescência, aos treze anos, tornou-se telegrafista. Músico e compositor de músicas eruditas, missas, hinos sacros, dobrados para bandas de música, valsas de concerto, mazurcas, foxes e habaneras, tornou-se o maior compositor amador do Vale, em todos os tempos.

Inspirado na brilhante vitória de Jofre, na batalha do Marne contra a Alemanha, compôs a “Avançada de Jofre”, cuja execução, durante 35 minutos manteve o público em suspenso, sob a reprodução sonora de uma batalha em todas as suas imprevistas realidades. Para reger este concerto, realizado no campo do clube de futebol de Cachoeira, recebeu dos amigos e admiradores uma batuta de prata e ébano.

Tornou-se um desses raros indivíduos que aparecem no mundo, para conduzir e, não, para serem conduzidos. Em todas as iniciativas que empreendeu revelou-se um líder. Na Maçonaria, como orador e benemérito, no Grêmio Dramático, que sustentou artistas profissionais durante quatro anos, na Banda XV de Novembro, que dirigiu por trinta anos, na fundação e na presidência do atual Clube Recreativo, na direção da União Espírita Cachoeirense, durante três anos e como fundador e presidente do Cachoeira Futebol Clube, em 1908.

Ninguém, sem os imperativos de cargos eletivos ou políticos, fez por Cachoeira tanto quanto o seu dinamismo realizou. Nesta homenagem póstuma, expresso meu orgulho por ser seu filho e a gratidão pela herança que me deixou. Entremeio à saudade compungente da separação a pobreza das minhas palavras, que palidamente retratam meu Pai, meu extraordinário Pai, o MAESTRO LORENA.


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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.


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