PAUL-MARIE VERLAINE - I

"A música, antes de qualquer coisa!" Paul-Marie Verlaine, lorena de Metz e um dos mais populares poetas franceses, foi um dos primeiros a evidenciar a musicalidade da poesia. Sua obra, poética e musical, enriquece este trabalho e o integra com propriedade ao contexto de OsLorenas, dedicado à família de artistas e músicos descendentes do grande mestre-capela Randolpho José de Lorena.



VERLAINE
PARTE 1




Paul-Marie Verlaine
Metz, 30-03-1844*    Paris, 08-01-1896†


Paul-Marie Verlaine, nasceu em Metz, aos 30 de março de 1844 e morreu em Paris, aos 8 de janeiro de 1896. Freqüentou o Liceu Bonaparte, atualmente Liceu Condorcet, em Paris e, cedo se dedicou a escrever poesia. Inicialmente influenciado pelo parnasianismo e seu líder, Charles Leconte, desde sua primeira obra foi identificado como um poeta de originalidade e futuro promissor.

Sua cidade natal se situa no nordeste da França, na confluência dos rios Moselle e Seille e, embora Nancy tenha sido a capital do ducado da Lorena, Metz foi escolhida para capital da região e prefeitura do Departamento da Mosela,  no século XX. Cidade Galo-Romana, capital merovíngia do reino da Austrásia, berço da dinastia Carolíngia, é uma das mais antigas repúblicas da Europa. Possui um rico patrimônio histórico datado de 3000 anos e, por sua localização, foi largamente influenciada pela cultura germânica através da história.



METZ - Pont Moyen


Após a morte de seu pai, Verlaine mudou-se à rua Lécluse Grand 26, passando a freqüentar os cafés e os salões literários parisienses. Colaborou com o primeiro Parnassus contemporâneo e publicou sua primeira  obra “Poemas Saturninos”, em 1866, coleção que inclui a “Canção do Outono”, celebrizada pela Rádio de Londres. Em 1869 publicou “Festas Galantes” evocando fantasias do século XVIII.

Em 1870 casou-se com a adolescente Mathilde Mauté de Fleurville, a quem conheceu por intermédio de um amigo, o músico Charles Sivry. Sivry esperava que ela pudesse conquistá-lo ao seu alcoolismo, além disso, o casamento era visto como uma medida eficaz contra a homossexualidade. Nesse mesmo ano surgiu a coleção “La Bonne Chanson” com vários poemas dedicados a Mathilde. O entusiasmo amoroso, a serena melancolia e o desejo de capturar esses momentos únicos predominam nos poemas que refletem a tranqüila beleza da natureza, como uma metáfora para os sentimentos que o poeta estava experimentando num momento de terno sossego em que se encontrava sua alma.




Mathilde Mauté de Fleurville,
retrato por Félix Régamey




POESIA E MÚSICA

A poesia de Verlaine, admirada e reconhecida como inovadora, serviu de fonte de inspiração para vários compositores que transformaram seus poemas em canções, muitas das quais se constituíram em ícones da música francesa do princípio do século XX.

Claude Debussy, em 1891, musicou cinco dos poemas de “Fêtes galantes”, de 1869 entre os quais Clair de Lune que aqui podemos ouvir na interpretação de Maggie Teyte.



Debussy - Fêtes Galantes - (Maggie Teyte, Alfred Cortot 1936) - Clair De Lune



CLAIR DE LUNE
(Fêtes galantes, 1869, Verlaine)

"Votre âme est un paysage choisi
Que vont charmant masques et bergamasques
Jouant du luth et dansant et quasi
Tristes sous leurs déguisements fantasques.

Tout en chantant sur le mode mineur
L'amour vainqueur et la vie opportune,
Ils n'ont pas l'air de croire à leur bonheur
Et leur chanson se mêle au clair de lune,

Au calme clair de lune triste et beau,
Qui fait rêver les oiseaux dans les arbres
Et sangloter d'extase les jets d'eau,
Les grands jets d'eau sveltes parmi les marbres."



Tradução:
LUAR

Tua alma é uma paisagem de outros dias
Por onde, ao som de alaúdes, vão passando,
Quase tristes nas suas fantasias,
Bergamascos e máscaras dançando.

E cantando em surdina pela vida
E o triunfo do amor, eles tem o ar
De quem de tudo e até de si duvida,
E o que eles cantam vai-se no luar,

No calmo luar cheio de encanto e mágoa,
Que faz sonhar os pássaros nas árvores
E soluçar de êxtase os jorros d'água,
Os grandes jorros d'água esbeltos entre os mármores.



LA BONNE CHANSON


La Bonne Chanson
 Paul Verlaine

Publicado em Paris por Creuzevault em 1936
Edição ilustrada por David Hermine 


“La bonne chanson” é uma coleção lírica. Representa um breve período de esperança e expressa a felicidade que Verlaine pensou encontrar no casamento. Verlaine mandou imprimir o livro, às próprias expensas e, em junho de 1870, entregou cópias para amigos e para vários grandes literatos. Victor Hugo, gigante da vida literária francesa no século XIX, reagiu com entusiasmo e chamou o livro de uma flor dentro de uma granada, referindo-se à guerra franco-alemã que grassava em Paris naquela época. A mobilização, a guerra e a Comuna de Paris atrapalharam os planos de publicação do livro e finalmente “La bonne chanson” apareceu em 1872, numa edição de 590 exemplares. A edição Creuzevault apareceu em 1936. Ilustrada por David Hermine com 21 gravuras, com aquarelas sofisticadas e guaches, além de litografias e gravuras ponto seco. A gravação, escrupulosa e bem construída, embeleza sutilmente a apresentação do texto e atraiu muitos colecionadores.


LA BONNE CHANSON
Paul Verlaine

En robe grise et verte avec des ruches,
Un jour de juin que j'étais soucieux,
Elle apparut souriante à mes yeux
Qui l'admiraient sans redouter d'embûches ;

Elle alla, vint, revint, s'assit, parla,
Légère et grave, ironique, attendrie:
Et je sentais en mon âme assombrie
Comme un joyeux reflet de tout cela ;

Sa voix, étant de la musique fine,
Accompagnait délicieusement
L'esprit sans fiel de son babil charmant
Où la gaîté d'un cœur bon se devine.

Aussi soudain fus-je, après le semblant
D'une révolte aussitôt étouffée,
Au plein pouvoir de la petite Fée
Que depuis lors je supplie en tremblant.


A BOA CANÇÃO
Paul Verlaine
(Tradução: OsLorenas)

Vestida de cinza com verdes babados,
um dia de junho, eu vagava entre escolhos,
quando ela surgiu sorrindo e meus olhos
a admiraram sem temer os fados;

Ela passou, voltou, sentou-se, falou,
ligeira e grave, com terna ironia:
então percebi que minh’alma sombria
refletia o melhor de tudo que sou;

Sua voz, um encanto de música pura,
era delicado acompanhamento
do espírito alegre, e a cada momento,
seu bom coração exalava a candura.

Súbito, apenas restava um semblante
de minha revolta enfim sufocada,
me vi prisioneiro da pequena fada
que me suplicia desse dia em diante.



Verlaine foi um dos primeiros poetas a evidenciar a musicalidade da poesia e não faltaram bons compositores atraídos pela sonoridade de seus versos. Diversos poemas de "La Bonne Chanson" foram musicados, alguns com inúmeras versões por diferentes compositores e intérpretes. 


Ernest Chausson apresenta em sua composição, Opus 13, uma visão particular do poema "La Lune Blanche", através da canção "Apaisement", aqui interpretada pela canadense Marie-Nicole Lemieux:





Reynaldo Hahn, incluiu no ciclo "Chansons grises" a versão mais famosa do poema "La Lune Blanche", sob o título "L'heure exquise" (Tempo delicioso), canta Susan Graham, acompanhada pelo pianista Roger Vignoles.




LA LUNE BLANCHE
Paul Verlaine

La lune blanche
luit dans les bois.
De chaque branche
part une voix
sous la ramée.
O bien aimée....

L'étang reflète,
profond miroir,
la silhouette
du saule noir
où le vent pleure.
Rêvons, c'est l'heure.

Un vaste et tendre
apaisement
semble descendre
du firmament
que l'astre irise.
C'est l'heure exquise!


A LUA BRANCA
Paul Verlaine

A lua branca
brilha nos bosques.
De cada ramo
ecoa uma voz
sob a ramada.
Oh, bem amada....

A lagoa reflete,
profundo espelho,
a silhueta do
negro salgueiro
onde o vento chora.
Sonhemos, é hora!

A imensa e terna
quietude
parece descer
do firmamento
irisado pela estrela.
É um tempo é delicioso!


Referências:
elblogdeatticus.blogspot.com




RIMBAUD

Entretanto, o idílico bem estar descrito por Verlaine duraria bem pouco. Paris foi sitiada e o novo Império Alemão, proclamado no Palácio de Versalhes. Verlaine juntou-se à Guarda nacional e foi chefe do escritório de imprensa do Comitê Central da Comuna de Paris. Escapou das mortais lutas de rua conhecidas como Semana Sangrenta, mas temendo uma retaliação, abandonou Paris junto com a esposa.

Ao regressarem pouco depois, estão hospedados com os pais de Mathilde quando Verlaine recebe a primeira carta do poeta Arthur Rimbaud. Em 1872, já havia perdido o interesse em Mathilde e, abandonando-a com seu filho, parte para a Inglaterra e a Bélgica na companhia de seu novo amigo.
Durante essas viagens, Verlaine escreveu grande parte da coleção "Romances sans paroles". Em Bruxelas, durante uma discussão ele dispara dois tiros de revolver contra Rimbaud, ferindo-o sem gravidade. Foi preso e encarcerado em Mons onde experimenta uma conversão ao catolicismo, que influenciou suas obras e provocou críticas afiadas de Rimbaud.



Arthur Rimbaud  (1854 – 1891)

“A vida de Rimbaud foi tão intensa e vibrante quanto seus poucos e precoces poemas. O poeta francês deixou apenas dois livros (“Iluminuras” e “Uma temporada no inferno”) escritos quando ainda era muito jovem. (Entre 15 e 18 anos).”


Enquanto Mathilde obtem judicialmente a separação, Verlaine, na prisão, abandona o livro que estava desenvolvendo, “Celularmente” e idealiza a coleção “Sabedoria” que juntamente com “Outrora e Recentemente” (1884) e “Paralelamente” (1888), irá prover grande parte dos poemas da coleção “Natimorto”.

Ao sair da prisão, Verlaine viaja novamente à Inglaterra, onde trabalhou por alguns anos como professor e produziu outra obra de sucesso, “Sagesse”. De volta à França em 1877, ensinando Inglês em uma escola em Rethel, apaixonou-se por um de seus alunos, Lucien Létinois, que o inspirou a escrever seus próximos poemas. Verlaine ficou devastado quando o garoto morreu de tifo em 1883. este mesmo ano, publicou no jornal Lutece a primeira série dos "poetas malditos" (Stéphane Mallarmé, Tristan Corbière, Arthur Rimbaud), o que contribui para torná-lo conhecido. Ele é tratado como um mestre, pelos poetas do Simbolismo e como um precursor, pelos decadentes.

Em 1884, publicou “Outrora e Recentemente” que marca seu retorno ao primeiro plano da literatura, embora a coleção se componha principalmente de poemas anteriores a 1874. No mesmo ano, em A Rebours, Jori-Karl Huysmans lhe reserva um lugar de destaque no panteão da literatura de Jean Des Esseintes. Em 1885, Gabriel Vicaire e Henri Beauclair o consagram oficiosamente líder da escola dos Decadentes, através de Les Déliquescences d’Adoré Floupette. Em 1886, Verlaine colaborou no Jornal Contemporâneo de Edouard Rod. A partir de 1887, à medida em que sua fama cresce, ele mergulha na mais abjeta miséria.

Em seus últimos anos Verlaine viveu em meio à pobreza e, sob a dependência de drogas e do alcoolismo, suas produções literárias são meramente alimentares, exceto talvez “Mulheres e Homens”, coleção de poesias eróticas publicadas debaixo de capa. Divide seu tempo entre o absinto nos cafés parisienses e os hospitais públicos. Entretanto, o amor dos franceses à arte deu-lhe apoio, suas poesias antigas foram redescobertas, seu estilo de vida e seu estranho comportamento diante das platéias atraíram admiração. Reynaldo Hahn canta no salão de Alphonse Daudet seu primeiro ciclo de melodias que incluem sete poemas de Verlaine, “Chansons grises” com partituras publicadas em 1893 pela casa Heugel.

Em 1894, foi coroado Príncipe dos Poetas e dotado com uma pensão. Morreu prematuramente em 1896, em Paris, com a idade de 52 anos e seu funeral ocorreu sob grande interesse do público. No dia seguinte, os jornais relataram um curioso evento: à noite, a estátua da Poesia, no topo do Opera, perdeu um braço, que caiu junto com a lira, que sustentava, justamente onde o carro fúnebre de Verlaine deveria passar.


OBRAS DE PAUL-MARIE VERLAINE

* MINHAS PRISÕES

Verlaine foi presa da miséria e da pobreza e aos 30 anos, doente e sem dinheiro, encontra refúgio na prisão. Alcoólatra, de temperamento impetuoso, em um momento de desvario dispara dois tiros em seu amigo, o jovem Arthur Rimbaud. Encarcerado, pode se dedicar a ler e escrever sem se preocupar com comida e abrigo. Suas obras em prosa são menos conhecidas do que as poéticas, mas merecem ser lidas.

Em uma centena de páginas, “Minhas Prisões” revela a prosa erudita, laboriosa e finamente escrita. Deve-se lembrar que ele foi reconhecido bacharel em 1862 e que todos os seus poemas lá estão para defendê-lo. Paul Verlaine não foi maltratado na prisão e a descreve como um lugar quase agradável. É na prisão que Verlaine encontra a lucidez e a oportunidade de se exibir sob um prisma realista e simpático. Não há amargura nessas páginas e seu amor à língua latina se reflete nas páginas de “Minhas Prisões”. Ali ele refaz suas forças para retornar à luta, que acabará triunfando sobre ele. Às prisões suceder-se-ão os hospitais sobre os quais ele escreveu outra obra em prosa, no mesmo tom.

* MEUS HOSPITAIS

As estadias em diferentes estabelecimentos se sucedem ao longo dos últimos dez anos de sua vida. Sofrendo de diabetes, alcoolismo, sífilis e úlceras, sua condição continua a piorar. Sua mãe morreu, vários amigos também, incluindo Arthur Rimbaud e estas mortes o deixam mais sozinho do que nunca. A fama vai encontrar um Paul Verlaine no fim da linha, o preço é alto, mas o poeta não se queixa e começa a escrever a obra autobiográfica, “Meus Hospitais”, que surge em novembro de 1891.

Seus últimos cinco anos de vida são os mais difíceis. “Meus Hospitais” se assemelha à crônica de um homem doente, mas lúcido. Muitos nomes aparecem nessas páginas, poetas, escritores, músicos, médicos, professores, mulheres e pessoas de todas as esferas da vida, um testemunho valioso pelo qual perpetua sua memória. Paul Verlaine morreu aos 08 de janeiro de 1896 e foi sepultado no cemitério da 20ª Divisão no cemitério de Batignolles em Paris e em 1989, seu túmulo foi transferido para a 11ª Divisão, à frente da rotunda central.



Túmulo de Paul Verlaine
Cemitério de Batignolles no Quartier des Épinettes-Paris

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