PAUL-MARIE VERLAINE - II

VERLAINE
PARTE 2



Verlaine com absinto by Dornac Close_ 1895-1896


"Derivado da artemísia, de alto teor alcoólico, considerada a mais cerebral das bebidas, o absinto é indissociável da vida e da obra de grandes nomes da arte e da literatura e marcou a última década do século 19 como "a década do absinto", quando esteve mais em alta do que nunca entre os escritores."


O SIMBOLISTA


"De la musique avant toute chose" - a música antes de qualquer coisa. Este verso abre o poema "Art Poétique", de 1885, considerado um verdadeiro manifesto da poesia simbolista.

“Música em primeiro lugar,
e por que prefere ela o ímpar
o mais vago e mais solúvel no ar
sem nada nela, que pese ou suporte.”

A poesia francesa produzida durante o "fin de siècle" (fim do século - movimento cultural francês entre 1880 e o começo da Primeira Guerra Mundial), foi caracterizada como "decadente" por seu conteúdo chocante ou sua visão moral. Verlaine usou a expressão “poète maudit” (poeta maldito) em 1884, para se referir aos poetas como Stéphane Mallarmé e Arthur Rimbauld que haviam lutado contra convenções poéticas e reprimendas sociais ou que haviam sido ignorados pelos críticos. 

Com a publicação do Manifesto Simbolista, de Jean Moréas, em 1886, o termo “simbolismo” começou a ser aplicado ao novo ambiente literário e Verlaine, Mallarmé, Rimbauld, Paul Valéry, Albert Samain e muitos outros começaram a ser chamados de "Simbolistas". Esses poetas iriam compartilhar as estéticas de Schopenhauer, com noções de desejo, fatalidade e forças inconscientes, temas sobre sexo, fenômenos irracionais - delírios, sonhos, narcóticos e álcool e, algumas vezes, um vago contexto medieval. Na poesia, o procedimento simbolista se distinguia pelo uso de sugestões discretas ao invés de declarações precisas, a retórica foi banida, e pela evocação de humores e sentimentos através da magia de palavras e sons repetidos, da cadência e musicalidade do verso e da inovação métrica. Verlaine influenciou de forma decisiva o desenvolvimento do Simbolismo, abrindo novos caminhos para a poesia em seu país e no mundo.



Sentados, da esquerda para a direita: Paul Verlaine, Arthur Rimbaud, Léon Valade, Ernest d'Hervilly et Camille Pelletan. De pé: Pierre Elzéar, Emile Blémont et Jean Aicard.
Tela de Henri Fantin-Latour (1836–1904), 160 × 225 cm
Deutsch Musée d'Orsay
(donation de M.et Mme Blémont, 1910)
Wikimedia Commons.


Paul-Marie Verlaine publicou aos vinte e dois anos em 1866, “Poèmes Saturniens”, entre os quais se inclui “Canção de Outono”, que sintetiza perfeitamente a arte simbolista. Foi um dos primeiros poetas a evidenciar a musicalidade da poesia, mas é o poema “Arte Poética” que revela com perfeição essa relação.


ARTE POÉTICA
Paul-Marie Verlaine
(Tradução de Augusto de Campos)

Antes de tudo, a música preza
portanto, o ímpar. Só cabe usar
o que é mais vago e solúvel no ar
sem nada em si que pousa ou que pesa.

Escolher palavras é preciso,
mas com certo desdém pela pinça;
nada melhor do que a canção cinza
onde o indeciso se une ao preciso.

uns belos olhos atrás do véu,
o lusco-fusco no meio-dia
a turba azul de estrelas que estria
o outono agônico pelo céu!

pois a nuance é que leva a palma,
nada de cor, somente a nuance!
nuance, só, que nos afiance
o sonho ao sonho e a flauta na alma!

foge do chiste, a farpa mesquinha,
frase de espírito, riso alvar,
que olhe do azul faz lacrimejar,
alho plebeu de baixa cozinha!

a eloqüência? torce-lhe o pescoço!
e convém empregar de uma vez
a rima com certa sensatez
ou vamos todos parar no fosso!

quem nos dirá dos males da rima!
que surdo absurdo ou que negro louco
forjou em jóia este toco oco
que soa falso e vil sob a lima?

música ainda e eternamente!
que teu verso seja o vôo alto
que se desprende da alma no salto
para outros céus e para outra mente.

que teu verso seja a aventura
esparsa ao árdego ar da manhã
que enche de aroma ótimo e a hortelã...
e todo o resto é literatura.




Place Verlaine, Paris



CHANSON D'AUTOMNE

Verlaine queria um verso fluido, ritmado, solúvel no ar como exemplificado em "Chanson d'Automne". A música está de tal forma entranhada nesse poema que traduzi-lo para o português é tarefa quase impossível, mas mesmo quem não conhece bem o francês pode perceber as artimanhas sinfônicas empregadas por Verlaine. Logo na primeira estrofe percebe-se como que um violão, executado inicialmente nas cordas mais graves: sanglots longs, violons, automne. Em seguida, a ação se transfere para as cordas médias (coeur, langueur) e retorna ao timbre inicial (monotone).

A música se desenvolve mais suavemente na segunda estrofe, mas na terceira, se rende ao sopro do "vento mau". Ali, as palavras oscilam como uma folha ao vento (deçà, delà, pareil a la) que afinal se acomoda no chão.

Como traduzir (verter, recriar ou transcriar) esse poema em português? Transcrevemos aqui três versões, por poetas brasileiros de diferentes gerações: Alphonsus de Guimaraens (1870-1921), Guilherme de Almeida (1890-1969) e Onestaldo de Pennafort (1902-1987).


CHANSON D'AUTOMNE
Paul Verlaine
em Poèmes Saturniens (1866)


Les sanglots longs
Des violons
De l'automne
Blessent mon coeur
D'une langueur
Monotone.

Tout suffocant
Et blême, quand
Sonne l'heure,
Je me souviens
Des jours anciens
Et je pleure.

Et je m'en vais
Au vent mauvais
Qui m'emporte
Deçà, delà,
Pareil à la
Feuille morte.


Onestaldo de Pennafort consegue equilibrar bem texto e música na primeira estrofe com o trio ‘sons-violões-outono’. No entanto, as palavras ‘dor e langor’ não fazem o mesmo papel sonoro de coeur/langueur e perde-se um pouco da mudança de timbre. Outro ponto forte é a manutenção do bailado da folha seca ao vento: ‘de cá pra lá,/ como faz à/ folha morta’. Vale destacar que, Pennafort manteve a métrica original das estrofes com versos de 4-4-3-4-4-3 sílabas. Guimaraens trabalhou com 5-5-2-5-5-2 e Almeida, 4-4-2-4-4-2.

CANÇÃO DO OUTONO
Tradução:
Onestaldo de Pennafort
(1902-1987)

Os longos sons
dos violões,
pelo outono,
me enchem de dor
e de um langor
de abandono.

E choro, quando
ouço, ofegando,
bater a hora,
lembrando os dias,
e as alegrias
e ais de outrora.

E vou-me ao vento
que, num tormento,
me transporta
de cá pra lá,
como faz à
folha morta.

Guilherme de Almeida introduziu, no início, a palavra "lamento", para corresponder ao original sanglots (soluços) e, para dar o tom de corda grave também optou por violões. Foi o único a manter o ar de desconsolo indicado pelo verso "Qui m'emporte", na última estrofe. Mas, se sua tradução ganha esse dar-de-ombros, perde a flutuação da folha ao vento.


CANÇÃO DE OUTONO
Tradução:
Guilherme de Almeida
(1890-1969)

Estes lamentos
Dos violões lentos
Do outono
Enchem minha alma
De uma onda calma
De sono.

E soluçando,
Pálido, quando
Soa a hora,
Recordo todos
Os dias doidos
De outrora.

E vou à toa
No ar mau que voa.
Que importa?
Vou pela vida,
Folha caída
E morta.



Alphonsus de Guimaraens foi o que menos se aproximou da melodia verlainiana. Mostrou-se mais fiel ao sentido das palavras usando, por exemplo, "soluços", mas se violino é a correspondente exata de violon, no contexto do poema, desafina a orquestra.


CANÇÃO DO OUTONO
Tradução:
Alphonsus de Guimaraens
(1870-1921)

Os soluços graves
Dos violinos suaves
Do outono
Ferem a minh'alma
Num langor de calma
E sono.

Sufocado, em ânsia,
Ai! quando à distância
Soa a hora,
Meu peito magoado
Relembra o passado
E chora.

Daqui, dali, pelo
Vento em atropelo
Seguido,
Vou de porta em porta,
Como a folha morta
Batido...

Não há a intenção de comparar as traduções, apenas mostrar a dificuldade em verter para o idioma de destino o significado direto das palavras, além de outros sentidos e impressões que elas possam carregar, como por exemplo, a música.

Adaptado de: poesia.net
Carlos Machado, 2003



METZ, cidade natal de Verlaine, na confluência dos rios Moselle e Seille 

A carreira de Paul Verlaine não foi triunfal e conheceu o sucesso apenas tardiamente. Sua poesia, onde a esperança e o caos se sucedem num incansável debate entre os sentidos e a razão, torna-se muito popular. O poeta é a vítima dos próprios demônios, possuida por um nostálgico compromisso entre os pólos antagônicos do misticismo e da sensualidade

Os constantes conflitos que marcaram a sua vida agitada se refletiram em sua obra. Se houve influência de alguns mestres, ele a ultrapassou completamente impondo aos seus poemas um tom inimitável, como em "A Arte da Poesia":

Que diriam os males da rima?
Qual criança surda ou qual negro louco,
nós inventamos esta gema de um centavo
que soa oca e falsa sob a lima?
Da música ainda e sempre!
Que tom deve ter a coisa para o seu vôo,
quando se sente que uma alma deixou-se fugir
para outros céus para outros amores?


Verlaine, é considerado por alguns críticos como o poeta da insipidez, das impressões indecisas, que sonha com a poesia, qual uma voz discreta e doce. Entretanto, este aspecto de sua obra não esconde a complexidade de uma vida dividida entre o sonho e a ação, a marginalidade e as ambições burguesas. Como um testamento, revela por uma última vez a sua tensão o poema “Morte!”:

Armas, vibrem! mãos admiráveis,
empunhem-nas,
Mãos celeradas, na falta de
admiráveis!
Empunhem-nas e depois façam
sinal para os que se foram
pelas fábulas mais incertas do
que as areias.

Arrancar do sonho o nosso
êxodo, é o que querem?
Nós morremos por ser tão
lânguidos, quase infames!
Armas, falem! Suas ordens serão
para nós
A vida finalmente florida depois,
se necessário, às lâminas.



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