ALCOOL, FLAGELO DA HUMANIDADE


 LITERATURA DE NELSON LORENA

Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.




A literatura de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentos artigos sobre história, ciências, humor, crônicas locais, crítica, política e religião, que publicou como cronista do Jornal “O Cachoeirense”. Ao professor e jornalista José Maurício do Prado, o nosso agradecimento pelo acesso aos originais.











Jornal “O Cachoeirense” Ano II, Ed.Nº. 52, 15 a 20 de maio de 1978.

ALCOOL, FLAGELO DA HUMANIDADE.
Um conto para crianças
NELSON LORENA

“Sempre a chorar, mamãe...”, dizia o Claudionor ao chegar em casa às três horas da madrugada. “Certamente, meu filho! Qual a mãe que não chora por um filho que não lhe ouve os conselhos e, diariamente, cava a própria ruína entregando-se às más companhias e ao álcool como você esta fazendo? Olhe bem o seu estado! Quase não se sustenta nas pernas...” “Mesmo assim, topei uma parada dura com o Pedro da Nhá Vicentina por causa da minha namorada, a Rita da Sinhá Maria.” “E esse corte sangrando no braço, o que foi isso?” “Isso não é corte, é um arranhãozinho...” “Como perde sangue, meu filho”, disse a pobre mãe, e atirando para o lado uma colcha de retalhos que lhe cobria o corpo extenuado e frio naquela noite de intensa invernia, rasga um pedaço de seu velho vestido, arranca o picumã do fumeiro e emplastra a ferida feita por uma navalhada, recebida ao derrubar o Pedro da Nhá Vicentina, com um soco no pé d’ouvido, na festa de São João. Claudionor em poucos dias estava curado, sua natureza jovem a tudo resistira, apesar dos esforços constantes para destruí-la e a briga não passara de um incidente comum entre rapazes irrefletidos.
Os dias correm e, com eles, o agravamento da situação. Claudionor continuava em seus desvios e desobediências freqüentes e, de queda em queda, tornou-se ébrio habitual, insensível às lagrimas de sua extremosa mãe, cujos olhos pareciam um filtro de lágrimas a conter uma torrente de angústia e amarguras, represada no extenuado coração. Emoldurando a paisagem triste e sombria daquele lar, o sol continua em seu giro de luz e calor, a lua a pratear os mais belos sonhos de ventura e, coando por entre a fresta de uma telha partida, deposita no rosto envelhecido da infeliz mãe um pálido beijo de ternura e santidade.
Os anos correm velozes atrás da Eternidade... Claudionor está casado com a Rita da Sinhá Maria, quatro filhos advieram desse contubérnio tão desastroso; dois morreram, um de coração inchado, outro, ruim do juízo no Juqueri. Restam-lhe dois filhos, um de oito anos e outro de seis meses, avezinhas indefesas a brincar sobre os destroços de um lar infeliz, que mais se assemelha a um pântano onde dois lírios vicejam.
Claudionor continua mergulhado no vicio maldito, sua reputação é péssima, amigos, não possui. Um dia, chama o filho mais velho e lhe diz: ”Joãozinho venha cá, toma este dinheiro e vá à casa do Seu Oliveira pagar o aluguel, mas escuta bem: se perder este dinheiro lhe darei uma surra de quebrar as costelas, você ainda deve se lembrar daquela que lhe quebrei os dentes”. Joãozinho, trêmulo de medo com os lábios ainda inchados da “tunda” recente, apavorado ante as ameaças do pai, que acenava com um chicote, obedeceu. Para chegar à casa do Seu Oliveira, Joãozinho tinha que atravessar um riacho transponível somente por uma ponte precária, feita de um só pau roliço. Havia chovido muito durante a noite e a madeira estava escorregadia; Joãozinho chorando e nervoso, com os olhos enublados atravessa a ponte, mas antes que chegasse ao meio, escorrega e cai na água. Soltando um grito de pavor, é ouvido pela mãe, justamente no instante em que numa bacia banhava o pequenino de seis meses. A intuição maternal que as mães possuem em alto grau entreviu a extensão da desgraça e, pedindo a Claudionor para olhar a criança na bacia, corre em direção ao riacho transbordante, que arrastou Joãozinho em sua correnteza. Duas horas após, num remanso mais abaixo, foi encontrado o corpo do menino que ainda apertava entre os dedos o dinheiro que o pai lhe entregara. Desesperada, volta a casa e encontra o pequeno afogado na bacia em que o deixara, enquanto Claudionor dormindo, roncava na tarimba enfumaçada, sob os efeitos da cachaça. Duas infelicidades e um único causador: o vício detestável que destrói os lares, arruína a saúde e rebaixa o caráter de quem o alimenta. Sem o carinho da velha mãe falecida há seis anos, com o lar destruído, responsabilizado por sua esposa pela desgraça que caíra sobre todos, Claudionor tornou-se um espectro a perambular pelas ruas sobre as ruínas de sua própria obra. E lá do Céu, aquela velhinha de meigos olhos cândidos, marejados de lágrimas, chora o nefasto destino de seu pobre filho e sorri à chegada dos dois anjos que alaram aos Céus.




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