VANITAS VANITATUM

Conforme a nossa proposta de preservação e divulgação do patrimônio artístico e cultural da Família Lorena, iniciamos a apresentação dos trabalhos literários de Nelson Lorena. Agradecemos ao professor José Maurício do Prado pela valiosa colaboração, tornando possível nosso acesso aos originais.

Nelson publicou, cerca de quatrocentas composições literárias, sobre história, ciências, humor, crônicas locais, crítica, política e religião, recebendo postumamente o Diploma de Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras, em 2001.



Artigo publicado no jornal
“O Cachoeirense”
Ano II, Edição nº. 50,
de 01 a 07 de maio de 1978.


VANITAS, VANITATUM
Nelson Lorena











A vaidade constitui uma das chagas morais que nossas almas conservam, desde que a vida apareceu sobre a Terra. Uns a demonstram na sofisticada postura com que se apresentam em sociedade, são loquazes gostam de aparecer em público e fazem muitas vezes o bem, mas com alarde. Disputam cargos e posições de relevância, sempre para satisfação dessa fraqueza. Fundam sociedades filantrópicas e visam, não tanto o bem, mas a sua popularidade com menções em jornais e revistas. Dão aos filhos nomes pomposos e históricos, para que se destaquem entre outros. Aí vemos os Allan Kardec, os Nelson, os Ney, os Wagner, os Rafael, os Jesus, os João Batista, os Cícero, etc. e, a propósito, queremos mostrar como é antiga essa virtude negativa. Contam que o Farol de Alexandria, uma das sete maravilhas do mundo antigo, foi construído por Sóstramo de Cinido no ano 279 AC, por ordem de Ptolomeu Filadelfo. A fim de resistir à corrosão das águas do mar, Sóstramo construiu-o sobre blocos de vidro e mármore, ajustados com chumbo derretido. Na base do Farol escreveu seu nome, Sóstramo, em estilete. Ptolomeu, no entanto, ante a magnitude da obra cuja luz se via desde oitenta quilômetros de distância, mandou escrever sobre o nome de Sóstramo o seu nome, Ptolomeu. Mas isto foi feito com material de pouca duração e, com a ação do tempo e das vagas do mar em embates constantes sobre a base do monumento, foi desaparecendo o nome de Ptolomeu e ficando o de Sóstramo. O tempo mostra, às vezes, o efeito negativo da Vaidade e também o positivo, até mesmo, porque a virtude se modifica. Diz Alibert que a Vaidade apesar de tudo não deixa de ser um dos mais fortes motores do progresso, das artes e da prosperidade humana. Dizemos que ela é um Mal. Mas, que é o Mal, senão o Bem, mal compreendido? Às vezes, de um ato sensual, erótico e pecaminoso é que nasce um gênio. Da decomposição de nossos corpos nascem as flores que perfumam as necrópoles. O que foi, senão a Vaidade, que nos fez construir algumas obras de duração centenária ou talvez eterna? Ai do progresso de nossas cidades, se não fossem estimulados pela vaidade! Grandes vultos da história cultivavam-na. Napoleão a explorava no soldado herói, fazendo dele um general, Murat. Na França, no esplendor do século das luzes, existiam para a glória de sua literatura as figuras célebres de Lamartine, Victor Hugo e Alfred de Musset. Estando certo dia Lamartine e Victor Hugo a conversar, entregaram-lhes uma carta fechada com o seguinte endereço: “Ao maior poeta de França”. Victor Hugo entregou-a a Lamartine dizendo: “Isto é com você”. Lamartine leu o envelope e devolveu a carta a Victor Hugo respondendo num riso forçado: “Oh não, Hugo é com você mesmo”, e do turíbulo da Vaidade o incenso começou a perfumar e a rasgarem-se as sedas, entre os elogios recíprocos. E resolveram abrir a carta, que assim começava: “Meu caro Alfred”. Era a Alfred de Musset endereçada.

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O ARTISTA CACHOEIRENSE

A ARTE DE NELSON LORENA

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