A FACE OCULTA DE NOSSA VIDA

 LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.






A literatura de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentos artigos sobre história, ciências, humor, crônicas locais, crítica, política e religião, que publicou como cronista do Jornal “O Cachoeirense”. Ao professor e jornalista José Maurício do Prado, o nosso agradecimento pelo acesso aos originais.



Jornal “O Cachoeirense” Ano II, Ed.Nº. 59, 03 a 09 de julho de 1978.

A FACE OCULTA DE NOSSA VIDA

NELSON LORENA


O homem é o que pensa. Mas, como o pensamento nem sempre extravasa, aprisionado, às vezes, às leis que o impede ou às convenções sociais que o proíbe, o homem, julgado sempre pelas aparências, continua sendo o que não é.
Pedem-nos, comumente, nossa biografia, isto é, a estória de nossa vida. O pedido não é bem formulado, mesmo porque, não teríamos a coragem de torná-lo público; nossa autobiografia, seria o mais acertado. De nossa vida, tornamos conhecidos os seus aspectos mais interessantes, os mais toleráveis, nossa imagem exterior, sob a qual se oculta nossa real personalidade. E isso é o que mais convém e agrada aos que nos julgam pela exterioridade. Nossas autobiografias possuem o caráter e a fisionomia da máscara, sob a qual a hipocrisia se oculta. Jamais no-la pediriam, se, ao primeiro atendimento possuíssemos a condenável honestidade de lhes mostrar a nossa face oculta, nosso direito e nosso avesso, os sepulcros que somos, caiados por fora e por dentro e os miasmas deletérios de nossa podridão moral. Dissemos condenável honestidade porque a humanidade ainda se equilibra por força da hipocrisia e se enobrece com esses aspectos negativos da vida, mais que necessários, até para a própria coexistência entre os povos. Os dirigentes das nações, apertam-se as mãos, beijam-se nas faces, oram por um mesmo Deus, e se armam até os dentes para uma destruição recíproca, protelada não sabemos até quanto tempo. As biografias são mais reais, isto porque os biógrafos como também os historiadores são fieis aos fatos, sejam eles negativos ou positivos com relação ao Homem. Apontam todas as facetas do seu caráter, embora essa imparcialidade, venha por vezes empanar de alguma forma o brilho que poderia possuir. César seria maior se, subindo pelas mãos de Pompeu, não o houvesse matado; Bonaparte também seria, se o fuzilamento de Ney e os amores adulterinos de Waleyska e Desireé não o tivessem desfigurado; Santo Agostinho igualmente, se não tivesse a macular-lhe a alma, as cicatrizes de sua vida de devassidão, rebaixada até à pederastia, segundo Papini, em temerário juízo para nós; Moisés, se não fosse assassino, Pedro, se não houvesse negado o Mestre; Paulo, se não houvesse condenado Estevão; Abraão, o patriarca, também seria maior se o seu biógrafo não no-lo apresentasse como incestuoso, proxeneta e mentiroso. E o que se dizer então do escalpelo dos historiadores, nas biografias de David, Salomão, Alexandre VI, Lucrecia Bórgia, dos Médicis... Elas são implacáveis quando mostram o que, realmente, somos. Muito raramente encontraremos alguém com a coragem de tornar públicas as duas faces de sua existência. Pessoalmente não a possuímos e morreremos escondendo-as. Por enquanto, exibimos somente a roupagem, como agrada e convém ao homem, à sociedade e aos que no-la solicitam.

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