AGOSTINHO RAMOS, MEU GRANDE AMIGO

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.








Com a característica fertilidade, Nelson Lorena escreveu em forma de crônicas, sobre temas relacionados a história, ciências, retratos do cotidiano, crítica, política e religião, entre outros. Do seu acervo literário, estamos transcrevendo sua produção escrita entre 1977 e 1990. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano III, edição nº.93, de 05 a 11 de março de 1979.




AGOSTINHO RAMOS, MEU GRANDE AMIGO 
Carta a um morto


NELSON LORENA


Você, como leitor e colaborador do “O Cachoeirense”, lerá esta minha carta carinhosamente a você endereçada. Parecerá, a muitos, estranho o fato de que se escreva a alguém que passando pelo fenômeno chamado morte, haja fugido ao nosso convívio. Mas, tudo tem sua razão de ser, ao rememorarmos o fato de que, ao visitar-lhe pela última vez, no dia em que partiria para São Paulo, onde deveria ser operado, fez questão de me contar que, algumas horas após o falecimento de nosso estimado Negrinho, o Comendador, durante a noite, em vigília, cochilou e, em breve madorna, Negrinho se lhe aparece, saúda-lhe fraternalmente, como de costume, e durante a conversa, você lhe pergunta se, donde estava, sentia, via e se apercebia de tudo quanto aqui se passava, como se vivo estivesse. E o amigo lhe responde: “Tudo Agostinho, tudo como se aí estivesse”. Então você, disse-lhe que, a alguém que o fato fosse contado, diriam que foi simplesmente um “sonho”. Para mim não foi um sonho, mas a revelação de uma verdade consoladora da piedade divina. Isto posto e aceito, está justificada minha carta a um morto. A Morte em sua aparente vitória, num golpe inesperado e traiçoeiro, deitou por terra o super-homem, o gigante de nossa intelectualidade; mas o Homem vale pelo que sabe. O ser corruptível volta ao pó, mas o espírito incorruptível, livre das peias do corpo somático, ressurge na eternidade das coisas, e liberto. Não será necessário que me conte; mas eu sei que quando os dedicados médicos cruzaram os braços e as fibrilações ventriculares, incapazes que eram de irrigar a maravilhosa máquina de seu cérebro ditaram o “fim”, você se ergueu, olhou desdenhosamente aquela roupagem em decomposição, aprumou-se com a elegância de César ao ser assassinado, rompeu os grilhões e, qual novo cavalheiro Bayard, “sens peur, sens reproche” bradou, impetuoso e ardente como nos tempos idos de seu ardor político: “Ó mors! Ubi vitória tua?!” não foi mesmo, assim? Instantes após, pelas mãos de seus patronos acadêmicos, Pedro Luiz e Castro Alves, galga o Infinito. Abrem-se as portas da Arcádia do Olimpo; nos pórticos a saudação ao filho que retorna. No átrio, Clio e Minerva o recebem e o ingressam no Cenáculo festivo, ladeadas pelas Musas lembradas por você quando na Academia Paulista de Letras, em maio ao ano passado. Lá estavam, Euterpe, Melponeme, Terpsicore, Polynia, Thalia, Urânia, Caliope e Erato. Efusivamente, foi você abraçado por Thales de Mileto, Cleóbulo, Chilon, Bias, Pitacos, Mison e Sólon, honras somente tributadas àquele que nas gradações infinitas da perfeição, domina e embeleza os impulsos condenáveis, modificando-se para o Bem da Vida intelectual, um tipo de super-consciência, próximo do Gênio, conseguido, por certo, através de vidas pregressas, prenhes de dúvidas, anseios, dores e alegrias, observações e labores exaustivos. Sua capacidade retentiva e perceptível, sua facilidade em versejar, suas palestras e conferências com citações inumeráveis, sem a menor anotação, improvisadas que eram, abrangendo todos os matizes das artes, da filosofia, da ciência, da história e da religião, fizeram de você alguém que “tragou a morte na vitória”. Agora, Agostinho; irá sentir sempre o sopro ameno e balsâmico da brisa que emana dos Campos Elíseos; e ali, na doce solitude, quebrada somente pelo murmúrio das águas do Lethes, cantará seus poemas para as flores, para os pássaros que lhe rodeiam... Do conceito que possuo sobre a imortalidade, sobre a sobrevivência do Ser, tenho recebido muitas bênçãos; sua resposta será uma delas. Cordialmente grato pelas atenções, considerações, obras e livros ofertados, estímulos generosos que me dispensou, beija-lhe a fronte mais uma vez o amigo Nelson Lorena.

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Ao professor e jornalista José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do Jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.



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