A MAIS PURA E MAIS ÚTIL DAS CIÊNCIAS

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.








Com a característica fertilidade, Nelson Lorena escreveu, em forma de crônicas, sobre temas relacionados a história, ciências, retratos do cotidiano, crítica, política e religião, entre outros. Do seu acervo literário, estamos transcrevendo sua produção escrita entre 1977 e 1990. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano III, edição nº.95, de 19 a 25 de março de 1979.





A MAIS PURA E A MAIS ÚTIL DAS CIÊNCIAS


NELSON LORENA

Considero a Medicina, a única Ciência no exercício da qual o homem pode se santificar. Alcançará essa glória, se vir, primeiramente, antes mesmo do “pão de cada dia” de que também necessita, os olhos súplices da procissão de enfermos mendigando carinho, amor e saúde, derrotados na batalha da vida, mas esperançosos dos Médicos como Sacerdotes da “divina arte"! Mas, na Medicina, como nas religiões, há sacerdotes e há Sacerdotes. Estes são os que amam a profissão porque amam o doente, que não cobram antecipadamente seus honorários, que consultam a situação financeira dos pacientes e suas possibilidades de retribuição, e que preferem a ingratidão, do doente que se curou, a reduzi-lo à miséria para o resto da existência, como nos diz Hipócrates em um de seus aforismos. O conceito da arte de curar, materializou-se de tal forma, eclipsando na generalidade, o espírito humanístico da profissão. Há tempos, em conversa com uma professora do Ginásio Severino Moreira Barbosa, mostrou-se ela apreensiva com o futuro da filha, que ambicionava formar-se em Medicina, para conseguir fortuna. Considerava a pretensão da filha, enriquecer a custo do sofrimento alheio, uma mesquinhez e um grande pecado. De fato, a pureza da arte em sua origem, vem sendo de alguma forma deturpada. Tanto assim que possuo amigos e conhecidos, Médicos, que se batem pela humanização da Medicina, pela volta do “médico da família”. Pela volta daquele que ao repousar em seu leito, fazendo um retrospectivo do dia que passou, sorri satisfeito ao haver conseguido devolver a saúde a um enfermo que morria aos olhos angustiados dos pais, pela volta daquele que revive os dias de tormentos na visão dantesca do martírio dos desamparados, gritante e muda ao mesmo tempo; revive um cadáver cruzando os corredores numa vida que extingue, enquanto o choro de um recém nascido anuncia a vida que se inicia; “Lagrimas e gemidos, rostos em agonia, dores, velhice desamparada, infância dolorida, horas de vigília, corpos nas lajes frias, faces marcadas pela dor, o nascer e o morrer cruzando-se”, são as imagens que se amontoam e vivem no âmago do verdadeiro discípulo de Paracelso, veladas pelo carinho e pelo amor dedicados aos enfermos. O doente, de alguma forma, é um meio de pesquisa científica ao qual não se deve negar o calor humano. Muitas vezes, um gesto afetuoso, um sorriso, um carinho paternal, são meios de cura onde o remédio torna-se um mero catalisador entre o Médico e o doente. Sabemos que há intenso movimento pela humanização da Medicina, onde os valores morais se estiolam ao calor da ânsia de lucros, desvirtuando os sagrados princípios da “mais útil e mais pura das artes”, aquela preconizada por Jesus: “Ide e curai os enfermos”. A Iatrogênese, como nos diz Ivan Illitch, transformou a Medicina de hoje “numa oficina de reparos e manutenção destinada a manter em estado de funcionamento o homem gasto por uma produção humana”. Observamos que os efeitos colaterais e as contra-indicações de certos remédios, cujo controle não é exigido por quem os receita, gera outros conflitos patogênicos, transformando os doentes em material de consumo permanente. Tavernier, radiólogo de Bordeaux, fala do uso indiscriminado da radioscopia, afirmando que a principal fonte de irradiação mundial é de origem médica e que sua utilização no diagnóstico deve ser banida totalmente, por ser até trinta vezes mais irradiante que o Raio X e que, somente em casos especiais onde sua contribuição para o diagnóstico não ultrapasse os inconvenientes, deve ser usada. Tornar a vida menos árdua, a humanidade menos sofredora, compartilhar de suas dores, santifica o Médico. Isto conseguido, terá a Ciência médica recobrado a sublimidade de sua origem. Feliz pois o médico que ampara o enfermo na subida penosa de seu calvário, sua fronte será iluminada pela auréola da santidade.

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Ao professor e jornalista José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do Jornal "O Cachoeirense", os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.

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