LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
A literatura de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentos artigos sobre história, ciências, humor, crônicas locais, crítica, política e religião,escritos entre 1978 e1990. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano III, edição nº. 88, 21 a 29 de janeiro de 1979.
E O MÉDICO CHOROU
NELSON LORENA
O melhor meio de nos conservarmos calmos ante as maiores desgraças é o cultivo da indiferença. E, por incrível que nos pareça, é do contato constante com as dores que as maiores desgraças nos impõem, que nós conseguimos manter a calma, quando em nosso redor, todos se desesperam. Há o conceito generalizado de que, o médico não chora; que é uma criatura indiferente ao sofrimento alheio; que a mesma naturalidade com que recebe em suas mãos o serzinho que nasce, sente também escapar-lhe uma vida que se extingue. Há no entanto duas formas de sofrimento. Uma, a que a dor física se revela pelas lágrimas, ao impacto da moral atingida; outra, a dor moral, surda e impenetrável aos olhos que choram. Meu saudoso amigo, Dr.Feijó, dizia-me: “o médico é sempre um homem calmo”. E, ai do doente, se não o fosse. Uma vida, muitas vezes depende da calma, do controle emocional que o facultativo deve possuir, ainda mesmo que isso seja considerado indiferença. E, de como do domínio sobre essas emoções, salvaram-se centenas de pessoas, no fato em que a célebre cantora italiana Tetrazine assistia num camarote rente ao palco, uma récita num teatro de Nova York, veremos. Um alarme de incêndio foi dado, estabelecendo-se o pânico, de conseqüências imprevisíveis, como sempre acontece. Tetrazine, prevendo todo o alcance da possível tragédia, salta ao palco e entoa uma ária com sua esplendorosa e arrebatadora voz; paralisa por instantes a platéia, que ordenadamente se retira, sem que uma só vítima houvesse. Mas, algumas vezes a extensão da catástrofe, a magnitude da dor ultrapassa o limite de nossa resistência emotiva e particularmente a do médico, o cultor da “Divina Arte” de Vesálio. Soube de um fato, em que um médico, aliás extremado amigo, foi chamado urgente, para atender a uma parturiente em zona rural. Após longa caminhada em estrada carroçável parou o automóvel a um quilometro da casinha da paciente, por impraticável o caminho de acesso. Examinando a senhora, constatou a queda da pressão sanguínea, pulso filiforme e taquicardíaco, provável descolamento precoce da placenta e forte hemorragia. Caso de hospitalização urgente. O marido e o médico carregam, de qualquer forma, a doente sob o choro de seis menores, seus filhos, até as proximidades da condução. Recomenda-se ao esposo que tome o pulso, ainda sensível. Logo após, o marido adverte o médico que o pulso parou; ensina-o a sentir o batimento na humeral; instantes depois, tudo cessa, a parturiente morre. Retornam à casinha. O desespero se apodera das crianças que, abraçadas ao cadáver, choram juntamente com o pai. E o médico chorou também... Para o sofrimento represado há, também, um limite.
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Ao professor e jornalista José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do Jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos, pelo acesso aos originais.
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A ARTE DE NELSON LORENA
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