LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
Com sua fertilidade característica, Nelson Lorena escreveu em forma de crônicas sobre, história, ciências, crítica, política, religião e temas do cotidiano, entre outros. Do acervo de sua produção, entre 1977 e 1990, destacamos a matéria publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano I, edição nº.32, de 23 a 29 de dezembro de 1977.
MEDICINA E CURANDEIRISMO
NELSON LORENA
O conceito de legalidade ou de ilegalidade, varia com os tempos; o que era ilegal em outras épocas, hoje está legalizado; o que era legal, tornou-se ilegal. As leis se modificam com os usos e costumes, decorrência que sofre, dessa transição. E, quando obsoletas, agasalham no seu bojo, a ilegalidade. Isso considerando, resolvi expor meu ponto de vista sobre o assunto, após uma advertência que certa vez me fez um médico, com o qual conversávamos sobre a medicina intuitiva ou mesmo instintiva. Disse-lhe que diagnosticara em uma mocinha, tuberculose pulmonar; sem a intervenção médica, comprei-lhe os remédios, fez o tratamento e hoje está curada. Advertiu-me que isso era medicina ilegal, que seu exercício implicava em transgressão da lei e que, o exercício ilegal da medicina é curandeirismo. Comecei a meditar sobre os erros legais da medicina de um lado, e sobre as curas do curandeirismo gratuito do outro; sobre a humildade dos cientistas russos que buscam ensinamentos e subsídios para a arte de curar, na medicina intuitiva e instintiva dos camponeses russos, nas longínquas paragens da Sibéria; sobre o dom de curar que independe da cultura; sobre a ciência médica que dela depende, sobre a superioridade daquela sobre esta; sobre o estímulo que a lei oferece ao uso do fumo e do álcool, os dois maiores inimigos da humanidade, oficializando a degeneração de um povo. Que importa o aniquilamento do viciado e seus reflexos em sua geração, se somente o álcool representa 15% da receita de nosso país. Ignoramos se, no exercício legal da medicina, foram punidos os médicos que deixaram no estômago de uma senhora na Itália, uma pinça, e também os que levaram o deputado Gayer ao suicídio, desenganado por neoplasia maligna que a autópsia não constatou; se punido, o facultativo que diagnosticou tuberculose num paciente aconselhando-o a vir para São José dos Campos, o qual relatando ao companheiro de viagem na barca de Niterói sua desdita, subitamente, num ato de desespero, se atira ao mar, minutos após, parada a barca, foi retirado e o exame cadavérico revelou engano; pulmões perfeitos. É a ilegalidade dentro da lei. Há mesmo um ditado francês que diz: “Os erros dos médicos, a terra os cobre.” Há muitos anos, um sírio, em Goiás, foi esfaqueado, em um lugarejo sem nenhum recurso da medicina; caído ao chão, os intestinos extravasaram, misturando à terra; homens do povo o socorreram; puseram seus intestinos numa bacia, lavaram-nos em água de sal e, verificados limpos, na cavidade abdominal os colocaram; costuraram precariamente o peritônio e a pele e, surpreendentemente, o sírio curou-se! Em 1958, fui chamado de madrugada para ver minha mãe em estado grave. Os sintomas não me eram estranhos, pois já havia perdido uma irmã nas mesmas condições, com edema agudo do pulmão; o caso requeria socorro urgente; como este retardasse, não tive a menor dúvida em lancetar com uma lâmina de gilete a radial em sentido longitudinal; com o alívio e o agradecimento de minha mãe. Prolonguei com “desrespeito da lei” os dias seus. Salvar vidas não constitui privilégio concedido pelas academias, mormente quando a “ordem” vem do Alto. Qual pai que vendo seu filho atacado por abelhas, por exemplo, já com sintomas de choque anafilático, esperaria pela medicina, se prontamente, pudesse lhe aplicar injeções de Fenergan, Coramina, Cafeína e na veia Gluconato de Cálcio? Não teria eu a menor dúvida em ser curandeiro. Muita coisa interessante a ciência médica haveria de aprender se, se aproximasse da ilegalidade do curandeirismo. Foi mesmo nesse meio que ela, segundo luminares da medicina, aprendeu de um monge o uso do antimônio; de um jesuíta, a cura do paludismo; de um frade, como extrair a pedra bezoar; de um soldado, como curar a “gota”; de um marinheiro, como evitar o escorbuto; de um agente postal, como sondar a trompa de Eustáquio; de uma vaqueira, como evitar a varíola; de uma velha mulher, vendedora de mercado, como extrair o agente da sarna ou escabiose, e agora mesmo; por empréstimo, a acupuntura dos japoneses. Há um objetivo comum entre a arte de curar, de roupas brancas e pés calçados e a dos pés descalços e vestes humildes, que é, o alivio aos males da humanidade. Falhas as há, dos dois lados. A corrida para o curandeirismo se deve mais à miséria e pobreza de uma classe que, entre os dois centavos por minuto que ganha, e os dez cruzeiros ao médico, por minuto de consulta, escolhe a que melhor condiz com a sua sobrevivência.
..........
Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.
Veja também:
NELSON LORENA – O ARTISTA CACHOEIRENSE
A ARTE DE NELSON LORENA
Nenhum comentário :
Postar um comentário