DE JESUS PARA NÓS

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.





Com sua fertilidade característica, Nelson Lorena escreveu em forma de crônicas sobre, história, ciências, crítica, política, religião e temas do cotidiano, entre outros. Do acervo de sua produção, entre 1977 e 1990, destacamos a matéria publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano I, edição nº. 33, de 30 de dezembro de 1977 a 05 de janeiro de 1978.



DE JESUS PARA NÓS


NELSON LORENA

O Templo de Jerusalém vivia o momento decisivo de sua existência. Jesus ali estivera e, com aquela serenidade e superioridade inexcedíveis, mostrara a todos os presentes, desprezo pela suntuosidade daquele Templo onde cada detalhe constituía extremado orgulho da ortodoxia judaica; profetizara-lhe mesmo sua destruição; condenara a esmola alardeada do rico que a dava do supérfluo, divinizara a esmola da viúva paupérrima que a dava do pouco que possuía. Lá fora a multidão preparava, a entrada festiva em Jerusalém, do filho de David. Dentro do Templo, ricas expressões da aristocracia judaica, sacerdotes, escribas e fariseus tramavam a sua morte. Jesus achava-se em Betânia, aldeia a légua e meia de Jerusalém, hospedado em casa de Simão o leproso, onde residiam, Lázaro, a quem ressuscitara, Marta e Maria suas irmãs; o ambiente era de tristeza e angústia indisfarçáveis; o meigo e doce Rabi havia-lhes anunciado seu próximo fim. Marta preocupada, como sempre, com os afazeres domésticos, alheia ao sofrimento moral que a todos compungia, preparava-lhe um banquete, possivelmente o último; Maria embevecida, enamorada da palavra do Mestre, despertara de sua atitude mística e contemplativa e, encaminhando-se para um móvel, dali retira um vaso de alabastro, o mais custoso de sua baixela e o quebra, como de hábito a todo visitante nobre, em homenagem a Jesus; derrama-lhe perfumes, lava-lhe os pés repousados no triclínio e os enxuga com os próprios cabelos. Após o banquete, merencório e silencioso, os discípulos se dirigiram para o grande pátio que medeava a estrada de Betânia a Jerusalém e residência de Simão, onde dezenas de enfermos aguardavam, ansiosos, a presença do Divino Mestre. Lá na estrada, envolvidos numa nuvem de pó, cameleiros do deserto, ricos negociantes em seus camelos regiamente ajaezados, miseráveis habitantes daquelas adjacências, confundiam-se descendo o Vale do Cedro, em demanda a Jerusalém, para as festas do Tabernáculo. No interior da casa de Simão, Marta havia retornado aos afazeres domésticos; Simão, vencido pelos anos, dormitava a um canto; Jesus, Pedro, Lázaro e Maria, ainda se conservavam na sala de jantar; o Mestre, lendo na alma de cada um a mágoa que os abatia e os receios que os assaltavam, quebrou piedosamente o silêncio, e dirigindo-lhes um olhar tranqüilo e profundamente sereno, como um céu sem nuvens em noite de luar, paternalmente lhes diz: “Tranqüilizai-vos, queridos; morrerei somente para os que não me amarem; passarão anos, séculos, milênios mesmo, e a eternidade do filho do Homem não será verdadeiramente compreendida; sua imagem, torpemente desfigurada e explorada, encimará altares, colinas e os próprios leitos adúlteros e pecadores; no coração da humanidade, o lugar que lhe seria reservado, permanecerá vazio; as paixões, as mais pequenas, as mais fúteis, dividirão os lares; amortecerá na consciência humana, todo e qualquer resquício rememorativo daquele que lhes dissera: ”Amai-vos uns aos outros; ao próprio inimigo; fazei o bem àquele que vos persegue e calunia”. Depois de pequena pausa, percebendo a interrogação angustiosa que pairava, pronta a irromper dos lábios dos discípulos, acalmou-os dizendo-lhes: “Não vos desespereis; como de início vos dissera, morrerei somente para aqueles que não me amarem; viverei no entanto, para vós e para todos que me amarem em Espírito e Verdade e habitarei seus corações; e quando tudo parecer perdido, homens de boa vontade, cientistas, estudiosos neo-espiritualistas, iniciarão pela renúncia, abnegação e amor aos meus ensinos, a nova e derradeira fase da cristianização da humanidade; tornar-me-ão mais vivo que nunca; ocuparei nos corações dos homens o lugar a mim destinado, até então vazio”...lá fora, no pátio, o choro das crianças enfermas despertara o Mestre para o dever maior; levantou-se, e dirigindo um profundo e úmido olhar aos discípulos pensativos, calmamente retirou-se da sala, deixando-os com os olhos fixos em um ponto vago no espaço, contemplativos, absorvidos pela causticante realidade do presente e as promissoras, mas longínquas, esperanças do futuro. Nessa situação, Marta os desperta em suave clamor: “Maria! Lázaro!” e, parodiando o Cristo, bem humorada e risonha, exclama; “Nem só da palavra de Deus vive o homem, mas também de pão, e necessito de vocês; Maria irá com uma ânfora ao poço, buscar um pouco de água fresca; Lázaro ao pomar colher figos e distribuí-los aos doentes no pátio...” E, no amplo salão, ficara solitário, Pedro, o humilde, rude mas sincero, pescador de Genezareth; e ninguém viu que de seus olhos, duas lágrimas de tristeza e de esperança deslizaram, perdendo-se na almofada do triclínio.


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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.


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