POR QUE TEMER A MORTE?

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.





Com sua fertilidade característica, Nelson Lorena escreveu em forma de crônicas sobre, história, ciências, crítica, política, religião e temas do cotidiano, entre outros. Do acervo de sua produção, entre 1977 e 1990, destacamos a matéria publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano I, edição nº.30, de 09 a 15 de dezembro de 1977.



POR QUE TEMER A MORTE?

NELSON LORENA

À medida que o tempo corre, vai desaparecendo o temor da morte. Novos conceitos de vida após a morte, apoiados no “dos filhos de meu Pai nenhum perecerá” do Cristo, nos parecem uma ducha no “fogo que queima mas não consome” da Teologia. As mortes, que havemos presenciado em nossa longa vivência, não têm revelado o sofrimento, nem físico e nem moral, que o moribundo poderia nos demonstrar, se apavorante fosse a viagem para o “desconhecido”. Estatísticas e observações médicas, afirmam que 80% dos moribundos, expiram silenciosos, mudos, imóveis “sem trair sinais de qualquer manifestação, física ou psíquica”. A última batalha de nossa existência é a agonia, que significa combate. E é nesse estado, que a circulação sanguínea se vai paralisando e entorpecendo. As fontes de eliminação se desgastam; o gás carbônico se acumula, envenenando os centros nervosos, privando o doente de raciocínio e o temor da morte desaparece, por inibição da mente. Isto nos parece certo e, de alguma forma, até Providencial. Quando no estado normal, nos parece que a coisa se passa de maneira diferente, talvez, não tanto pela morte, mas pelas conseqüências morais para os que deixamos. Dizem que Maria Antonieta, atemorizada pela sorte do filho, já preso, teve os cabelos embranquecidos, nas poucas horas que antecederam ao rolar de sua cabeça na guilhotina. Há poucos anos também, viajavam dois deputados, um deles Padre, cujo nome não nos vem à memória, quando o avião em que voavam, estava a sete mil metros de altura, entrou no vácuo ou buraco, houve pânico a bordo nos poucos minutos em que o avião descontrolou-se, logo controlado pela perícia do comandante; quando tudo voltou à calma, diz o deputado para o Padre: “Seu Padre! Quase que entramos no Reino do Senhor!...” E a resposta se fez de incontinenti, “Deus nos livre!”. Em todas as religiões, há sempre muita incoerência entre o ensinamento e a prática. Já o justo, e justamente por isso mesmo, na agonia, embora lúcido, enfrenta com galhardia a hora final. Conheço um fato, que retrata bem meu pensamento – Fernando de Paula e Silva (o nome de um Justo, pela sua raridade, merece menção) agonizava, minado por uma tuberculose; ao seu redor a família e amigos; Cel.Domiciano, seu compadre, anotava as últimas determinações do agonizante, inclusive o cálculo de uma sua divida e juros correspondentes; como tivesse havido um erro nos cálculos, Paula e Silva, lhe diz: “O que é isso compadre? Eu que vou morrer e você que está nervoso?” Feita a corrigenda, chamou um por um da família, despediu-se serenamente de todos dizendo-lhes: ”Agora vocês choram e eu rio”. E, esboçando um sorriso, adormeceu para sempre. Lembramo-nos de Confúcio quando dissera: “Quando nasceste, todos riam, só tu choravas; viva de modo a que, quando morreres, todos chorem, só tu rias”. Há também condenados à morte, que enfrentam o suplício sem nenhum temor, como se a morte compensasse o crime realizado, ou o sepulcro lhes desse a liberdade que o crime lhes negou. Numa indústria francesa, a gerência colocou na portaria o aviso ou advertência: “O álcool mata.”; no dia seguinte estava escrito logo abaixo: “O francês não tem medo de morrer.”...E isso nos parece verdadeiro, de alguma forma. Em 8 de setembro de 1866, o francês Lambert Geoffrey foi condenado à guilhotina. Ouviu com indiferença a sentença, dizendo; “Está muito bem; agora, como já são sete horas, espero que não tardem a trazer o jantar.” Adele Belau, francesa, condenada por parricídio, ao enfrentar a guilhotina, proferiu: ”Que máquina engraçada!”, e para o carrasco: “Cuidado, não vá falhar.” Em 4 de março de 1848, madame Monier, francesa, assassina, ao subir ao cadafalso, exclama: ”Que surpresa vai ter Deus ao me ver!” Em 7 de novembro de 1875, a viúva Juge, condenada pela morte de três filhos, ao subir para o patíbulo, teve o vestido inadvertidamente pisado pelo ajudante do verdugo; protestou-lhe dizendo “Cuidado com o meu vestido! Não vá me deixar nua na frente de tanta gente! Eu não sou qualquer uma!”. De todos os fatos citados, a serenidade do justo, a tranqüilidade do comatoso, a coragem do ímpio, parecem o brado do subconsciente proclamando a morte, não como o Fim mas, tão somente, o repouso para o viajante extenuado, que ao despertar, recomeça a longa caminhada para a Vida Eterna.

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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.


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