O MINISTRO DO REI

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.






Com sua característica fertilidade, Nelson Lorena escreveu, em forma de crônicas, sobre história, ciências, retratos do cotidiano, crítica, política e religião, entre outros temas. Do seu acervo literário produzido entre 1977 e 1990, a matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano III, edição nº.107, de 11 a 17 de junho de 1979.


O MINISTRO DO REI


NELSON LORENA


No Ano Internacional da Criança, quero dedicar a todas as crianças de minha terra e aos pais, por elas responsáveis, uma pequena estória. Minha intenção é adverti-los quanto à degeneração do caráter humano, considerando o abuso, de maneira altamente indiscriminada, do álcool, com a cumplicidade moral dos poderes constituídos que, tolerando a propaganda ampla e a venda franca e ilimitada das bebidas alcoólicas, tornam-se culposos da degenerescência do indivíduo e dos crimes que, sob o seu efeito, se praticam.
_____________________

Havia lá para as bandas do Extremo Oriente, um pequeno reino. O povo, pobre e inconformado com o destino que lhe foi dado; sofria, como nós, os efeitos da inflação, descrédito, queda da moeda, analfabetismo, greves e corrupção. O Ministro do Rei, a quem não se podia negar a cultura e valor político, não desfrutava entre seu povo, da simpatia devida; ao contrário, estava desmoralizado ante a opinião pública, como beberrão contumaz que era. Em busca de intercâmbio comercial, recuperação econômica, financeira, tecnológica e métodos de repressão às greves, que os que têm fome deflagram, o Rei envia a diversos países, o seu Ministro. Após alguns visitados, chega em Kampala, capital de Uganda, onde o “antropófago” Idi Amim era o Senhor. Mais pelo temor que mesmo, pelo prestígio, seus súditos lhe prestavam obediência cega. Há certas ditaduras, sob as quais o progresso se acentua à margem da liberdade. A indústria do cobre, da exploração do ouro, do berilo e fosfato, a instrução pública, a agricultura, a ordem e tudo, enfim, florescia notavelmente em Uganda. Kampala engalanou-se para receber o ilustre visitante. Recebido com todas as honras devidas, discursos e outras homenagens “espontâneas”, comuns em nosso meio público, foi-lhe oferecido um banquete de quinhentos talheres onde, a carne humana, excluída do “menu” - para que a imagem do país não fosse desfigurada no exterior, foi substituída pela torta de faisão. Não faltou, entre as bebidas, a predileta do Ministro, o Arrak. (Arrak, bebida alcoólica feita pela fermentação do leite ou da melancia). Dia seguinte, as visitas se sucederam, às fábricas, às indústrias do cobre, às escolas, às minas, à Universidade Makerere College, à hidrelétrica de Owenn Falls, etc.. À noite, um pomposo baile. Por todos os recantos onde se passava, ouvia-se o entusiasmo humano, “Idi Amim! Idi Amim!” na vibração da massa! (Hoje, após a queda de seu governo, a massa grita: “Vinde Amim! Vinde Amim! Queremos ver-te na jaula de um zoológico, como o gorila!”). Exultante de orgulho e poder, achando oportuno, o ditador, demonstrá-lo; chama o guarda de seu palácio e lhe pergunta: ”Soldado, sua arma está carregada?” “Sim, Excia.”, responde o soldado. “Então a aponte para a cabeça e puxe o gatilho.” Obedecido, cai o soldado aos pés do general Amim, com assombro do Ministro do Rei. Em seguida, chama o capitão da Guarda e também: “Capitão, sua arma está carregada?” “Sim, general.” “Aponte-a ao ouvido e puxe o gatilho.” Cumprida a ordem, o capitão, cai fulminado aos pés do visitante, que fica assombrado ante ao sentimento de obediência! E, ao Ministro, sorrindo, diz o ditador: “Vistes Sr.Ministro? Meu povo, morre, se preciso, por mim”! Chega a hora da despedida do ilustre visitante. De tudo quanto viu, ouviu e aprendeu, nada o impressionou tanto como a obediência cega e seu reflexo na massa fanatizada. De volta ao seu país, em vôo de avião direto, sem escalas, não conseguiu o Ministro “pregar os olhos”, vivamente impressionado com a cena dos tiros e, de vez por outra, tomava o seu arrak, costumeiro. Ao descer no aeroporto de sua terra, vendo um soldado, guarda de saída, resolve experimentar também seu “prestígio”. Chamando o guarda, repete como Amim; “Soldado!” “Pronto, senhor Ministro!” “Sua metralhadora está carregada?” “Certamente, senhor.” “Então a aponte para o ouvido e puxe o gatilho.” O guarda, dá um passo atrás e, com um sorriso no canto dos lábios, examina-o de baixo acima e, pausadamente, lhe responde: “Mas, Senhor Ministro!” “Quatro horas da madrugada e V.Excia., já está de porre?”

_____________________

Conclusão – O álcool é, de todos os tóxicos, o mais perigoso. Produz alucinações, aniquila o senso auto-crítico, como acabamos de ver, a personalidade se rebaixa, o homem se desmoraliza, perde o respeito que lhe é devido, se animaliza, sua prole se degenera geneticamente, deixa de ser Homem.


..........

Ao professor e jornalista José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do Jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.


Veja também:

NELSON LORENA – ARTISTA CACHOEIRENSE

A ARTE DE NELSON LORENA

Nenhum comentário :