LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
A literatura de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentos artigos sobre história, ciências, humor, crônicas locais, crítica, política e religião, escritos entre 1978 e 1990. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano III, Edição nº.90, de 05 a 11 de fevereiro de 1979.
O TOCADOR DE FLAUTIM E SEU GATO PRETO
NELSON LORENA
Parece-nos absurda a idéia de que, antigamente, também os animais eram condenados à morte por “crimes” praticados. As penas, após a leitura do processo eram proferidas pelos padres e juizes, segundo crônicas que chegam até nós, desde a Idade Média. Os porcos, as cabras, os cães, os gatos, qualquer animal que praticasse contra o homem atos prejudiciais à sua integridade física, eram sacrificados em praça publica, com os mesmos aparatos dos criminosos humanos. Conta-se que um gato em Bar-le-duc, na França portanto, foi enforcado porque asfixiou uma criança que dormia no seu berço. Mas os gatos pretos, eram os preferidos pelas bruxas e feiticeiros, e talvez daí, a perseguição sistemática aos bichanos, mesmo isentos de crimes. Sua astúcia, sua cor, pareciam denunciar certa conivência com o Diabo. E era o próprio Rei quem acendia as fogueiras de São João, sobre a qual, suspensos por corda, punha-se um saco de linho ou um tonel apinhado de gatos pretos. Era na época, a mais interessante festa popular em França, somente superada, mais tarde, pelo 14 de julho, Dia da queda da Bastilha. Para agradar ao Rei, havia uma banda de música com sete trombetas; havia convidados especiais, aos quais eram oferecidos buquês de flores e chapéus de rosas. Mais de duzentos arqueiros e arcabuzeiros, formavam-se em circulo para evitar atropelamentos e conter o povo; fogos de artifício, tiros de canhão, foguetes, bombas e canções da moda. Dentro do saco de linho, os gatos impacientes, miavam aterrorizados; viviam seus últimos momentos. Para dar maior prazer ao Rei, amarravam ao feixe de lenha, uma raposa. Uma tocha de cera branca, empunhada por veludo vermelho, era dada ao Rei que, como juiz e carrasco de gatos, acendia as fogueiras. Uma corda de 9 metros bem acima das fogueiras, sustinha o saco de gatos, presa a um molinete que, num movimento de vai e vem, fazia os gatos passarem sobre as chamas que se elevando, queimavam ou sapecavam os bichanos. Mas quando o fogo rompia o tecido do saco, os animais caiam sobre as chamas, com a massa, no auge da alegria. Era uma festa “maravilhosa”, que o diga o Santo Francisco de Assis! Segundo Bossuet, “a Igreja deixou de assistir a esses espetáculos, somente para banir deles as superstições de que as civilizações, através dos séculos não conseguiram libertar-se”. De fato, ainda pesa sobre o gato preto uma maldição, usado que é na bruxaria, feitiçaria e sortilégios vários, na suposição de obterem-se malefícios, benefícios ilícitos, ou a volta de um amor desprezado. Lembro-me que na Banda de Música de meu Pai, havia um tocador de flautim, alfaiate, vesgo, com um estrabismo divergente, que, se desejando casar com uma moça rica, resolveu estudar e dedicar-se ao hipnotismo, na suposição de que, de posse dessa faculdade, pudesse conseguir o amor e também a fortuna da Senhora amada. Era 1916. Nosso Grêmio Dramático, funcionava com ensaios todas as noites, eu era amador, com Reinaldo, Joaquim de Castro e muitos outros. Emilio Riciardi, o “hipnotizador” praticava sua arte, após os ensaios do Teatro. Alguns amadores queriam ajudá-lo e se expunham a ser “sujets”. Mandava-os ao palco e os três à sua frente, o fixavam nos seus olhos, se bem me lembro. Após alguns instantes; julgando-os hipnotizados, dizia-lhes: “caiam sobre mim”, era esta mesma, a ordem; mas o Zezinho Benaton, sempre moleque e engraçado, com as mãos estiradas para baixo como todos os outros, fez um gesto de quem dá “uma banana” para o Emilio que já se sentindo fracassado, acabou desistindo de continuar. Eles diziam que a fixação nos olhos do Emílio era difícil, porque uma íris estava à direita, outra à esquerda! Não desanimou o tocador de flautim. Resolveu solucionar o caso, tentando a macumba, ou coisa que o valha. Foi-lhe exigido um gato preto. Como não o conseguisse, lançou mão de um amarelo na janela do Cel.Domiciano, levou para casa e o pintou de piche, deixando para secá-lo ao sol. À tarde, arranjou um saco para levá-lo ao feiticeiro. Achou-o morto e endurecido no piche, e com ele, a frustração de um sonho de grandeza e opulência que, no coração da Mariquinha Fortes, desejava realizar. E assim, a superstição que a Igreja queria banir, persiste até os nossos dias.
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Ao professor e jornalista José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do Jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.
NELSON LORENA – O ARTISTA CACHOEIRENSE
A ARTE DE NELSON LORENA
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