LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
Com sua fertilidade característica, Nelson Lorena escreveu em forma de crônicas sobre, história, ciências, crítica, política, religião e temas do cotidiano, entre outros. Do acervo de sua produção, entre 1977 e 1990, destacamos a matéria publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano I, edição nº.47, de 10 a 15 de abril de 1978.
AVENTURA DE UM LOVELACE NEGRO
NELSON LORENA
Não há quem não tenha um fato revestido de comicidade para nos contar, mormente quando sua vida profissional esteja marcada por uma longa vivência. De mim, podem ser relatados alguns, pois entre as quatro paredes de um escritório, tudo se fala, tudo se ouve, tudo se comenta, tudo se aprende; conhecem-se as múltiplas faces dos caracteres humanos, firmam-se as melhores amizades, demascaram-se as falsas, enfim, o acanhado ambiente de trabalho é um pequeno mundo que, num relancear de olhos, o devassamos. Em meio às surpresas que este pequeno mundo nos oferece, há alguns fatos humorísticos, dignos de menção. Havia nas oficinas do antigo 8º. Depósito da Central, um carpinteiro que, não possuindo os dedos dos pés, não sabemos se por acidente ou defeito congênito, andava com dificuldade, apoiado nos calcanhares. Almoçava no serviço, considerando que, uma hora para o almoço era insuficiente para sua lenta locomoção. Era negro, feição delicada, bons dentes, boa presa e amante de conquistas amorosas, um Lovelace negro, uma qualidade até aí, nada de censurável. Como tudo em nossa vida, o pecado consiste no abuso e não no uso. Acontece porém, que suas conquistas iam, às vezes, além do permitido, e nem sempre o pecado compensa. Um belo dia, talvez numa sexta feira, treze de agosto, dirigiu galanteios revestidos de malícia a uma senhora, que ferida em seu decoro, contou ao marido o acontecido. No dia seguinte, o marido ultrajado, esperou numa esquina o carpinteiro que ia para o serviço e lhe meteu o chicote sem dó, nem piedade. Colegas de serviço, presenciaram a surra e relataram que o sedutor, aos berros dizia: ”Eu sou homem; qué dá, dê, mas corrê, não corro.” Ia apanhando e repetindo o mesmo refrão, batendo com o punho fechado na palma da outra mão: “Qué dá, dê, eu sou homem, mas corrê, não corro.” O defeito físico o impedia de correr e, o remédio era apanhar em marcha lenta!
Uma parede e uma porta, separavam o gabinete da Chefia do Depósito, do escritório onde trabalhávamos. O silêncio era completo, em obediência a ordens administrativas. Citarei o fato e não o nome, por uma questão de ética. O maquinista era um tipo brevilíneo, rotundo, ventre saliente, pouca altura, loquaz em excesso e, a cada palavra proferida, soltava como um aerossol, uma nuvem de perdigotos que nos obrigava a ficar sempre convenientemente afastados. Mantinham, ele e o chefe, uma animada conversa sobre doenças e operações. Havia o chefe terminado de relatar a operação que sua mãe havia sofrido de uma hérnia umbilical. O maquinista, eufórico, em altas vozes como era de seu feitio, dizia: “Eu também assisti a operação de minha mãe; era apendicite; mas me arrependi, sou muito nervoso e quando vi aquela panaiada (sic), aquela remediada, aquela forraiada, tive vontade de sair da sala”. E encostando-se à parede continuou, “mas doutor, levantaram a saia da “véia”, passaram iodo na “véia”, pegaram o bisturi, mas quando o ferro cortou e fez, réco...” (e pondo as mãos na cabeça, num gesto de penosa recordação, desequilibrou o corpo, firmou-se nos calcanhares, escorregou no assoalho encerado e liso e caiu sentado dando um tremendo estouro), rimo-nos muito, ante a vulgaridade da estória inacabada. Inacabada sim, porque até hoje ficamos sem saber o que aconteceu depois que o bisturi fez, "réco na barriga da véia”.
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Uma parede e uma porta, separavam o gabinete da Chefia do Depósito, do escritório onde trabalhávamos. O silêncio era completo, em obediência a ordens administrativas. Citarei o fato e não o nome, por uma questão de ética. O maquinista era um tipo brevilíneo, rotundo, ventre saliente, pouca altura, loquaz em excesso e, a cada palavra proferida, soltava como um aerossol, uma nuvem de perdigotos que nos obrigava a ficar sempre convenientemente afastados. Mantinham, ele e o chefe, uma animada conversa sobre doenças e operações. Havia o chefe terminado de relatar a operação que sua mãe havia sofrido de uma hérnia umbilical. O maquinista, eufórico, em altas vozes como era de seu feitio, dizia: “Eu também assisti a operação de minha mãe; era apendicite; mas me arrependi, sou muito nervoso e quando vi aquela panaiada (sic), aquela remediada, aquela forraiada, tive vontade de sair da sala”. E encostando-se à parede continuou, “mas doutor, levantaram a saia da “véia”, passaram iodo na “véia”, pegaram o bisturi, mas quando o ferro cortou e fez, réco...” (e pondo as mãos na cabeça, num gesto de penosa recordação, desequilibrou o corpo, firmou-se nos calcanhares, escorregou no assoalho encerado e liso e caiu sentado dando um tremendo estouro), rimo-nos muito, ante a vulgaridade da estória inacabada. Inacabada sim, porque até hoje ficamos sem saber o que aconteceu depois que o bisturi fez, "réco na barriga da véia”.
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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.
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