LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
Nelson Lorena e seu amigo Agostinho Ramos, dialogaram por meio da imprensa em inúmeras ocasiões. Dois grandes intelectos a nos brindar com as pérolas do seu imenso cabedal. Seguem as matérias, "Uma Carta" e "Resposta a Uma Carta" publicadas no Jornal “O Cachoeirense” Ano I, edição nº.38, de 03 a 10 de fevereiro de 1978 e edição nº.48 de 01 a 07 de abril de 1978, respectivamente
UMA CARTA
AGOSTINHO RAMOS
Meu caro Nelson Lorena
Você sabe quanto eu o estimo. É amizade que o tempo consolidou. Leio tudo que, neste jornal, vem de sua pena. Para um bom rendimento pedagógico e filosófico, são necessários três determinantes; ler, assimilar e deduzir. Gosto de seus artigos variados, enciclopédicos – e eu que, de vez em quando, perambulo por esses campos, avalio sua cultura. Em 20 de janeiro, neste jornal, você tomou por tema – “O Dilúvio Bíblico”. Sua análise, tomada ao pé da letra, está certa. Materialmente, a Noé, seria impossível, em sete dias construir a arca. Impossível seria reunir animais dos polos, da Austrália, África, aves, répteis, batráquios e peixes. Mais impossível, ainda, seria Noé conter as necessidades fisiológicas e os desajustes de tantos seres diferentes, reunidos em tal compartimento acanhado. E a higiene?...Insuportável. E a alimentação para tantos seres; os leões vorazes, em promiscuidade, atacariam toda a fauna de bordo. Meu caro Nelson – estou de acordo com você - a arca de Noé - uma imundície, uma confusão, uma lenda, considerada ao pé da letra. Na Bíblia, porém, vale o simbolismo. Acontece que há um espírito superior que nos governa, imperativamente, sob esta divisa; Onisciência, Onipotência, Onipresença. Se aceitarmos a existência de um Deus, consubstanciado nessa divisa – tudo é possível. Os sete dias referidos por você, teriam o mesmo tamanho dos dias atuais? Cada dia poderia ter a dimensão de um ano ou século. Jeová que tudo pode, exigiria dos animais: silêncio, depois de tê-los transportados pelos ares; impediria o funcionamento do aparelho digestivo, e manteria o interior da Arca, rigorosamente, em bom estado higiênico. Deus é o poder supremo, o mais é subsidiário. Quando, no paraíso terreal, disse a Adão: “Por esta deixarás, teu pai, tua mãe”, preconizou o casamento. “Comerás o suor do teu rosto” – deu a entender que o trabalho é uma dignificação, uma sublimação. “Caim, onde está teu irmão?”- lançou o princípio do bem e do mal, ou seja o dualismo – corda esticada até nossos dias. Como vê, na Bíblia há muito simbolismo. No que se refere à lenda, na religião, na Bíblia ou em qualquer outro setor abstrato ou material, parece que a nossa razão se perturba ao considerar a origem, o curso e o fim das cousas. Marx dizia: “A religião é o ópio do povo”. Voltaire, em contrapartida: “Se não houvesse um Deus era mister inventá-lo”. Lecionava eu religião em Lorena – curso adiantado – quando um dos alunos argüiu-me: - “Professor, além dos argumentos de Santo Tomás de Aquino, como o senhor provaria a existência de Deus?” – Pois, não: eu pergunto se uma suposição (suponhamos que); uma hipótese (admitamos que); o acaso (será que) tenha composto a natureza e o homem com sua organização perfeita! Teria o ser humano, por hipótese, ou por acaso, obtido a razão, à sua vontade? A força bruta, inconsciente, não gera a inteligência. Há uma força superior que nos disciplina e comanda.
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“O Cachoeirense” Ano I, nº.48 de 01 a 07 de abril de 1978
RESPOSTA A UMA CARTA
NELSON LORENA
Ao amigo Agostinho Ramos
Você me escreveu uma carta. O assunto está a exigir uma resposta. E é justamente o que me proponho fazer agora. Antes de mais nada, quero lhe agradecer as referências lisonjeiras à minha pessoa e a atenção dada ao meu artigo sobre o Dilúvio Mosaico; um estímulo sem dúvida. O apóstolo Paulo, nos aconselha examinar tudo e aceitar o que for bom. Costumo fazer isso. Encontrei na Bíblia muita coisa interessante, muita coisa construtiva mas, muita tolice que me repugna. O simbolismo, que algumas vezes encontramos em passagens do Antigo Testamento, retrata uma imagem desfigurada pela incoerência dos detalhes que encerra. Nossas religiões admitem como em Gênesis e outros, não o dia de vinte e quatro horas, mas um período de séculos e até mesmo de milhões de anos. Monsenhor Cauly, em sua Apologética, diz que Noé levou um século para construir a Arca. Ignoramos onde foi o ilustre prelado conseguir este dado; mas admitindo que assim fosse, chegaremos ao absurdo. Noé viveu, dizem, 965 anos. Se os sete dias dados a Noé equivaleriam cada um a um século, a idade de Noé valeria pela eternidade, o que insulta a Razão. No mecanismo contraditório dos detalhes, a imagem desfigurada do simbolismo. Quando fizemos o monumento ao Soldado de nossa Praça, colocamos em sua mão, não a espada que constrói ceifando vidas, mas tão somente a da Lei e da Justiça, pela qual, S.Paulo se levantou em 32. Há realmente ali simbolismo, desde os degraus até à espada. Somente nos Evangelhos, encontrei o Deus que não achei na Bíblia. Nesta um Deus polimorfo, que diz e contradiz, que erra e se arrepende como nós mesmos, que vê o valor de sua obra, somente após a criação e, quando não é boa a destrói, como eu, com meus artigos e minhas telas! Que diz “não matarás” e mata indiscriminadamente por iniqüidade, homens e seres inferiores que nada têm a ver com os pecados humanos! Condena o adultério mas o autoriza; condena o furto e o recomenda; proíbe o falso testemunho e o permite; proíbe cobiçar a mulher do próximo e ordena que o faça. À sua ordem, David destrona reis, degola, serra vivo o inimigo, atira aos fornos e assa-o, saqueia a casa de Nabal, toma-lhe a esposa, e como achasse pouco, fica com a Betsabé de Urias, afora as dez concubinas que já possuía. Manda a Saul destruir os amalecitas e tudo ao seu alcance, inclusive homens e mulheres, crianças de peito, meninos, bois, ovelhas, jumentos e, como houvesse Saul poupado parte do rebanho, a mais nutrida, arrependeu-se Jeová de havê-lo feito rei. Não fazia outra coisa senão arrepender-se. Com toda essa bagagem de crimes, “...morreu Saul em boa velhice, cheio de dias, de bens e de honras”. Proíbe a adivinhação. Advinhar é presciência. Presciência é dom adquirido, quando o espírito ainda dormitava no seio de Deus, como centelha que é do Grande Foco. A pena de Talião, “olho por olho, dente por dente”, tem seu oposto no “perdoai setenta vezes sete”, do Cristo. Para os que aceitam a Bíblia como a palavra de Deus, há realmente nos Salmos, uma justificativa para as lutas religiosas das Cruzadas, para a matança de São Bartolomeu, para a Inquisição, para o extermínio recíproco entre católicos e protestantes na Irlanda, muçulmanos e cristãos no Líbano, para os seqüestros, para os genocídios, para os crimes que, com relação aos inimigos, aconselha; “Derrama sobre ele a tua indignação e que o ardor de tua ira o alcance, fique deserta a sua morada e não haja quem habite a sua tenda”. Talvez por causa desse desamor, é que Jesus disse “A lei e os profetas, vieram até João; daí para cá, o Evangelho do Reino é anunciado”. Ninguém jamais viu Deus, ninguém jamais ouviu a Sua voz, afirma o apóstolo João, de que se deduz que as vozes ouvidas pelos profetas eram do Deus Onisciente, Onipotente, Onipresente, Presciente, infinitamente Justo, Causa primária de todas as coisas, que, pelo Cristo, aprendemos admirar, respeitar, tudo pedir-Lhe, sem nada Lhe darmos. Como já dissera Pio IX, “um Deus com todos esses atributos, não se contradiz”. Creio no dilúvio geológico e universal. A ciência comprova-o. O mosaico foi parcial. Duvidosos foram para mim, os detalhes e a difícil tarefa dada a Noé, partidos de uma fonte suspeita e contraditória. Agostinho amigo, Velhos não somos. Somos idosos, mas já percebemos ao longe os umbrais do Olimpo; e lá, na quietude que nos espera, após Átropos cortar o fio de nosso destino, conversaremos melhor.
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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.
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A ARTE DE NELSON LORENA
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