LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1977 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, religião e temas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano I, edição nº.116, de 13 a 19 de agosto de 1979.
COITADO DO JOÃO
NELSON LORENA
Há fases na vida humana, em que somos confundidos com o animal. Isto, desde o grande encontro do gameta flagelado com o óvulo. Se, por hipótese, nos fosse dado observar os embriões, do homem, do gato, do cavalo ou do porco, não saberíamos afirmar a qual indivíduo pertenceriam, tal a igualdade entre si. Nem mesmo a ciência dos homens diria, com antecipação, qual o homem, qual o porco. Quando muito, poderíamos dizer que enquanto um é útil em vida, às vezes, o outro, o porco, o é depois que morre, muito embora haja também entre nós, os humanos, quem assim também o seja. Com o desenvolvimento da espécie o individuo se define, posicionando-se na família que lhe é própria. Quanto ao seu futuro durante a existência, no momento, somente a espécie humana nos interessa, dado que o Homem é a coisa mais importante no mundo em que vivemos. Quando vemos uma criança, podemos assegurar que ali está alguém que, se for do agrado de Deus, poderá mudar a face da história, fazer a glória de um povo; sim, aquela criança que um dia foi confundida em sua fase embrionária, com o irracional! E, as surpreendentes fases da vida, continuam desfiando os futurólogos. Quando a Senhora Armstrong, em 1930 dava os seios a sugar ao seu filhinho Neil, longe estava de supor, que trinta e nove anos após, aqueles pezinhos, um dia pisariam as poeiras do solo lunar! Quando Mère Letícia, sorrindo, observava seu Napoleão a brincar de “guerra” nas ruas pedregosas da Ajaccio, poderia supor que, algum dia, aos pés do maior guerreiro de todos os tempos ajoelhar-se-iam testas coroadas e vencidas? Quem poderia dizer que Felix Peretti, guardador de porcos de um lavrador, chegaria ao papado com o nome de Sixto V, costumando às vezes dizer que, foi conduzindo porcos que aprendeu a conduzir os homens? E as surpresas persistem, confundindo os homens, que nada mais são que batéis sem bússola, sem leme, ao sabor de caprichosas ondas no mar agitado de nossa existência. Lembrei-me por instantes da Revolução de 32, quando estávamos na locomotiva que rebocava o especial do Cel.Euclydes em retirada para Taubaté, o diretor revolucionário da Central, o Engº. Egberto Prado Lopes, o seu irmão Eudoro, eu e a equipagem, sob o fogo do “vermelhinho”. Eu era o secretário do Dr. Prado Lopes, controlando até então, todo o movimento do transporte. Eudoro quase brigou comigo, por causa de uma granada desarmada que o apavorou e que me foi dada pelo Ademar de Barros. Ao lembrar do Cel.Euclydes, numa associação de idéias, voltou meu pensamento ao inesquecível amigo Agostinho e ao fato de ele, certa vez, haver-me dito que o João, filho do Cel. Euclydes era seu constante companheiro em seus doze anos, mais ou menos, de idade. E o tema se renova. O Agostinho, sem sequer pensar, tinha como amigo, o futuro Presidente da República, herdou ele as qualidades do Pai, no porte moral e físico. Mas, a Providência parece às vezes caprichosa e, em desígnios impenetráveis para nós, oferece ao homem seja honrado ou não, cheio ou não de virtudes, um prêmio que não compensa ou uma missão que nos confunde. Eis o caso da oferenda de Jeová a Noé, em crônica que há tempos escrevi e que mereceu do Agostinho uma crítica que, aliás, muito me honrou. Agora, é oferecido ao João, esse abacaxi tremendo, o governo de uma nação de cento e vinte milhões de habitantes, cinqüenta por cento de inflação, quarenta e cinco bilhões de dívida externa, paralisado à beira do destino. Sem gasolina, sem feijão, sem milho, sem arroz, sem trigo, retalhado e vendido às multinacionais, farto de greves e reivindicações proletárias, médicas, estudantis, magisteriais, de difícil solução para os seus assessores que, atônitos ante os problemas, mais se parecem a cegos em tiroteio. Será que o João, a exemplo de Sixto V, acostumado a saltar barreira a cavalo, conseguirá vencer as barreiras da crise que nos assoberba? Continua assim impenetrável o destino do mundo e das criaturas, desde que um gameta cilioso e vibrátil encontra-se com o óvulo.
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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.
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