LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1977 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, religião e temas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano I, edição nº.117, de 20 a 26 de agosto de 1979.
FALTA DE ASSUNTO
NELSON LORENA
Qual seria a situação do mundo em que vivemos, a ignorância em que seríamos mergulhados, se não houvesse os meios de comunicação entre os homens, que a imprensa faculta? Por seu intermédio temos às mãos, de maneira que nos satisfaz, tudo quanto devemos saber quanto à vida dos homens, das nações, do mundo enfim. E este conhecimento, para que seja completo deverá partir da menor célula para o todo; o mais modesto, o mais humilde recanto do mundo deve possuir sua imprensa, caso contrário estará fadado à inexistência histórica. Nosso “O Cachoeirense” constitui uma das poucas e boas iniciativas que possuímos, como fonte informativa de notícias várias e de tudo quanto se relaciona com a atividade de nossa cidade, com a sua existência. Suas páginas registram semanalmente todos os fatos nos quais se retratam a vida de nosso povo, de nossa “invicta Cachoeira” como dizia nosso inesquecível Zé Gomes e, um dia, quando a posteridade volver os olhos ao passado terá conhecimento de que nossa terrinha soube passar pela vida, e soube vivê-la. Nobre empreendimento, nosso Jornal está a reclamar, a necessitar da colaboração mais eficaz de nossa gente, mui principalmente no terreno intelectual, onde muitos de seus valores precisam despertar da abulia que estão possuídos. Procuramos atenuar as lamentáveis conseqüências dessa lacuna, envidando todos os esforços possíveis, “tapando buracos” numa demonstração de extrema boa vontade, que se assemelha à do papagaio que pretendia apagar as chamas que devoravam a floresta em que vivia, encharcando suas asas nas águas de um riacho e espargindo-as sobre o fogo, em admirável e ingênua pretensão. Temos com nossa imprensa o compromisso moral de apoiá-la. Acontece, porém, que não raras vezes a inspiração se oculta e o assunto falta, como exatamente agora. Ficamos a pensar, a pensar, a pensar e o Tempo cruel e sarcástico, corre à nossa frente. Falar da falsidade da história pensamos; se Helena de Tróia teria ou não doze anos quando foi raptada; se Lucrecia Bórgia teria sido mesmo amante de seus irmãos; pensamos em indagar, em pesquisar porque os Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, escritos muitos anos antes do de João, desconhecerem a ressurreição de Lázaro; onde sepultaram o S.Cristóvão morto da Avenida, mas não é de nosso feitio ferir suscetibilidades em indagações impertinentes e, a prudência, filha da Razão, rejeitou-os. E, justamente hoje, 18 de agosto, é que deveríamos mandar à Redação nossa crônica semanal. Por coincidência, me veio à mente, que precisamente hoje faz 157 anos que passaram no Caminho Novo da Corte, hoje Morro Vermelho, Sua Alteza Imperial o Príncipe D.Pedro e sua comitiva. Lá estavam o Padre Belchior Pinheiro, que a integrou em Santa Cruz, Tenente Cel.Camargo Aranha, Francisco de Castro Canto e Mello, João Carvalho e João Carlota, criados do Pátio, Luiz Saldanha da Gama, um fazendeiro de Bananal e seu filho, de S.José do Barreiro. A comitiva e Sua Alteza, fizeram uma parada no Rancho dos Moreiras, onde atualmente é o entroncamento da Avenida Ciano Moreira com a antiga Estrada do Palmital. Fizeram breve refeição na estalagem, trocaram de animais e rumaram para Lorena, onde haveria uma recepção festiva. Dia seguinte, rumaram para Guaratinguetá, e dia 20 estavam em Pinda, onde as autoridades e a nobreza, de que Pinda era farta, receberam os visitantes ilustres com as honras devidas e, à noite, um pomposo baile em sua homenagem. Mas, aqui entre nós, Sua Alteza era, um terrível Lovelace, conquistador impetuoso e ardente em seus 24 anos. Ainda queimava em suas veias, o sangue do avoengo Cardeal D.Henrique que, acidentalmente subiu ao trono de Portugal já com quase setenta anos de idade e, como não possuía herdeiros legítimos, e esse seria necessário ao trono, arranjou para si, uma ama de leite, a ubérrima Maria da Motta, no pressuposto de virilidade; mas, a História é cheia de falsidades! Vamos deixar o Cardeal em paz eterna e voltar ao nosso Príncipe. A nobreza da terra dos anzóis, e os seus fazendeiros, esconderam as filhas, não permitindo suas presenças ao baile, por mera precaução, evitando assim possíveis “cargas cerradas”. Predominou assim no baile regiamente organizado, um feminismo balzaquiano, que já existia mesmo antes de Balzac enunciá-lo. Este detalhe, não foi estranho ao Príncipe, que se queixou dizendo que nunca viu lugar para ter tanta mulher feia como Pindamonhangaba! Se non è vero, è bene trovato. Daí seguiu para Taubaté, Jacareí, Mogi e São Paulo. De São Paulo à Independência, da Independência à dependência nos braços da sua Titília, a futura Marquesa e, dos seus braços para o Paço de S.Cristóvão é uma história que todos sabem, mas que não se ajusta ao propósito de fazer uma crônica para o nosso Jornal que, por falta de assunto, seja possível para a semana.
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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.
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