UM AMOR IMPOSSÍVEL

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.




O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1978 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, religião e temas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano III, edição nº.115, 06 a 12 de agosto de 1979.



UM AMOR IMPOSSÍVEL

NELSON LORENA


Somos de opinião e já, algumas vezes, havemos dito que não existe nenhuma criatura essencialmente má. Circunstâncias várias, na vida de relações, geram caracteres multiformes que definem uma aparente personalidade e, por essa aparência, é o homem julgado. Há, no entanto, no recôndito de sua alma, no mais profundo de seu espírito, uma centelha do Foco Criador que o gerou, e que escapa ao julgamento humano. A indiferença muitas vezes manifestada aos sagrados sentimentos de fraternidade e amor ao próximo, não nos impede que, em determinadas ocasiões, possa essa centelha explodir dentro de nosso íntimo, romper a crosta da materialidade e do egoísmo a que estamos mergulhados, proclamando assim que, mesmo dentro do ser mais estúpido, mais grosseiro, existe algo de divino. Os nossos defeitos e imperfeições não foram obstáculos para que, por duas vezes durante nossa existência, houvéssemos livrado de morte certa, com riscos de nossa própria vida, duas criaturas por nós desconhecidas, com as quais, jamais tivemos qualquer ligação de amizade. Essa abnegação, esse desprendimento, dedicaríamos em igualdade de condições, mesmo com aqueles que mais de perto falam aos nossos corações. Essa atitude que tomamos, por pessoas estranhas, das quais poderíamos pensar em gratidão, poderia ser quem sabe, o embrião da humanidade futura, daquela a que se referiu Jesus ao proclamar: “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo”. O moço de Nazareth, com a estranha suavidade de Sua palavra, com o encanto inconfundível de Sua pessoa, lançou em curtas palavras, o preceito máximo de toda a filosofia cristã. Colocou o seu aforismo num futuro, que para nós ainda está muito longe, pois no plano evolutivo de nossa alma e em que nos situamos, esse Amor é impossível. A lembrança e o conhecimento de que milhões de crianças morrem de fome por esse mundo afora, não diminui nosso apetite diante da nossa mesa farta. Quando sentiremos, como se nossa fosse, a dor dos pais que perderam o filho seqüestrado e morto? Choramos a unha arrancada de nosso filho, e encaramos com certa indiferença a amputação das pernas de uma criança desconhecida. Os padecimentos de uma criatura, que nos era extremamente cara e que perdemos, em cinco meses deixaram nossa cabeça branca; alguém, mesmo o mais chegado, encaneceu por isso? Toda a emoção tem seu reflexo em nossa saúde, seja boa ou má. Origina em muitos casos, batimentos cardíacos, aumento da secreção ácida do suco gástrico com seqüelas, depressão física, e todos os processos controlados pelo sistema nervoso autônomo. O impacto emocional, que experimentamos na perda do ente que amamos dentro dos muros de nosso lar, nos abate e nos deprime abalando nossa saúde, fazendo com que morramos aos poucos a despeito da ação consoladora do Tempo, esse grande amigo nessa conjuntura. Todos os dias, demandam para o Mundo Maior, amigos parentes e conhecidos e, se não houvessem muros para confinar a nossa dor, se os amássemos como aos que conosco coabitam, nossa existência teria curta duração. Daí porque Jesus colocou sua exortação no futuro, se referindo a uma época em que a humanidade viria a ser fraterna, constituindo um corpo só, uma alma só, um só Todo, mais espírito que matéria; uma humanidade em que o corpo corruptível de que nos fala São Paulo, se confundiria com o corpo incorruptível e assim, a separação pela morte, até então dolorosa, deixaria de existir. Jesus, para nós, atingiu esse estado! A morte seria “tragada na vitória”. E, de tão temida e angustiante, passaria a ser compreendida e até desejada. O Amor impossível se tornaria possível.


*****


Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.


Veja também:


NELSON LORENA – O ARTISTA CACHOEIRENSE


A ARTE DE NELSON LORENA

Nenhum comentário :