LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1978 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, religião, e temas locais, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano III, edição nº.114, 30 de julho a 05 de agosto de 1979.
REVOLUCIONÁRIOS SEM MEDALHAS
NELSON LORENA
São coisas do passado que nossa Cachoeira ignora, mas que fazem parte da história deste modesto recanto em que vivemos. Cachoeira também teve seus revolucionários. Meu Pai, meu extraordinário Pai, um verdadeiro líder em todas as iniciativas que empreendeu, na Loja Maçônica, na Corporação Musical XV de Novembro, no Grêmio Dramático, na Sociedade Carnavalesca, no Cachoeira Futebol Clube, foi um dos revolucionários desta cidade. Aliás, melhor seria o chamarmos de revoltado. Deveria ser um homem do século XX e não do século XIX, em que nasceu. Espírito inquieto, socialista até à medula, amante da liberdade e igualdade entre os homens, sonhava com um mundo em que fossem vencidos os obstáculos que se antepõem ao triunfo da verdade sobre o erro, da fraternidade sobre o egoísmo. De suas memórias lemos que, antes de 1924, formou-se uma corrente política contra o governo de Arthur Bernardes, chefiada pelo general Joaquim Inácio, da qual fazia parte Zequinha Prado, maçom e seu velho amigo. Prado fez de meu Pai seu confidente de ideal e fácil foi conseguir sua adesão ao movimento. Prado vivia constantemente no Rio, em contato com os revolucionários e, por seu intermédio, ele conheceu o capitão Coutinho e o tenente aviador Rubens. O tenente Rubens, partiria para Itu, a fim de conseguir adesão do comando da artilharia pesada e, dias após, o tenente Cortez informa a adesão do 6º. RI de Caçapava, à conspiração. A incumbência dada a meu Pai, era a de cortar as linhas de passagens e comunicações, ligar todos os trens aqui em Cachoeira, controlar o movimento, como telegrafista que era, e dar todas as informações que fossem necessárias ao comando aqui destacado. A administração do Depósito de Máquinas e Oficinas seria confiada ao Zequinha Prado, que assumiria a Chefia, atendendo aos pedidos de locomotivas, carros e vagões, necessários ao movimento das tropas. Tudo combinado nos jardins de Pindamonhangaba. Marcado o dia, a conspiração foi descoberta e sufocada pelo governo. Tempos após, sempre aliado ao Zequinha, envolve-se na conspiração Protógenes. Denunciados, vem a Cachoeira um Chefe de trem que se dizia amigo de meu Pai, mas que o velho ignorava ser um “secreta” do governo, procurou o Prado, para ver se conseguia no comércio, bananas de dinamites para, dizia ele, dinamitar cabines da Central a fim de paralisar o movimento, como início da revolução. O Prado, meio desconfiado, desculpou-se e fugiu da incumbência, o que desgostou o secreta, que se chamava Rodolpho Braga. Vem ao meu Pai que, de boa fé, consegue com o Antonio Motta, seu negociante, as dinamites, levando assim ao conhecimento do governo, os nomes dos dois envolvidos no movimento. No dia seguinte, veio ordem mandando os dois se apresentarem à Diretoria da Central, dizendo o trem e o dia em que viajariam. Prado foi de noturno, seguiu preso ao Ministro João Luiz Alves e foi metido na “geladeira” onde esteve um mês. Meu Pai me fez sair da cama doente e, a toda hora sentando na linha do trem, ainda fraco pela gripe, tive que ir à estação e dizer ao agente que ele estava doente e não poderia viajar, mas que assim que sarasse cumpriria ordem. Depois de um mês na “geladeira” alegando ser compadre do Diretor Carvalho de Araújo, Zequinha conseguiu sair em liberdade. Meu Pai, como não era compadre do Diretor, “meteu a cara” no mato. Foi para a Bocaina, onde se homiziou em casa do Zeca Moreira e nos Macacos, na casa de João Romão. Fleumático, comia muito bem, melhor dormia e, de vez em quando, ia caçar veados na Serra. Dizia sempre: “A adversidade, jamais ultrapassará as muralhas de meu caráter; não me sujeitei à remoção, não me deixei prender, sacrifiquei emprego, promoção, família; nada pedi, mas venci, libertando-me com a aposentadoria”. De suas Memórias, extraí sua síntese de Homem: “De meu pai, herdei a altivez, a sobranceria, certo orgulho pessoal; detestei a subserviência, a delação, o fumo, o álcool, todos os vícios enfim.” De fato, não se curvava e jamais manchou sua dignidade; orgulho-me de tê-lo como Pai; não possuía no pescoço o sinal da servidão, que a “coleira” deixa. Sonhava com uma ordem de coisas que ainda hoje está longe de se realizar.
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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.
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