LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1978 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, religião e temas do cotidiano, entre outros. O destaque de hoje é para a matéria publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano III, edição nº.113, de 23 a 29 de julho de 1979.
UM SÓ PASTOR, UM SÓ REBANHO
NELSON LORENA
“Itália,15 de agosto de 1944.
Apesar de, bem distante, não posso me esquecer de vocês.” - assim começa a carta de um sobrinho, sargento da FEB, quando em campanha na Itália. “Afastei-me de uma família numericamente pequena, para ingressar numa outra muitíssimo maior, que são os meus companheiros de caserna, onde vivemos bem, uns para os outros.Tenho percorrido muitas cidades italianas, porém, todas bem avariadas pela aviação e artilharia inimigas. Entre elas, jamais me esquecerei de Nápoles, Pompéia e Roma. A primeira possui paisagens maravilhosas, a segunda, além de bem histórica, possui um museu de objetos e monumentos de mais de dois mil anos, em perfeito estado de conservação. A Igreja é de uma riqueza incalculável; somente na coroa de uma das santas do altar-mor, existem dois mil e setecentos brilhantes; os Órgãos do Coro, são de ouro. Não há espaço para descrever tudo quanto meus olhos viram no Vaticano; a coisa mais banal ali é o ouro; os gavetões de madeira pau-brasil, estão abarrotados de objetos vários, de uma riqueza fabulosa, as coroas do Papa são de ouro puríssimo, cravejadas de pedras preciosas, estou extasiado...”. Naquela ocasião, 1944, comecei, de um lado, a pensar nas coroas de ouro e brilhantes que emolduram as frontes papais e dos santos e, de outro, nos milhões de Mães, cujas frontes sangram sob as dores e espinhos do martírio, ao verem os filhos definharem e morrerem de fome ante a miséria que envolve o mundo. Que alegria poderiam sentir os santos espíritos, as puras almas, vendo no luxo, na ostentação da vaidade de suas imagens, a indiferença pela sorte dos que falecem de fome, à mingua de compaixão e amor? Saibam vocês que eu senti uma revolta íntima que me lançou na descrença de tudo quando aí estava! Revoltei-me com a opulência da Mesquita Azul de Istambul, com a do Vaticano, até mesmo, com a do templo de Salomão. “Deus não habita em templos de pedras”. Os sacerdotes da mesquita de Omar, com seus paramentos luxuosos e vistosos, acompanhavam a opulência do culto. “Vivendo do altar, porque serviam ao altar”, como de alguma forma aconselhou São Paulo. Contam até que, certa ocasião, o acaso reuniu três altos prelados religiosos, um protestante, um judeu e um católico. Então, eles ecumenicamente perguntavam entre si, como aplicavam a renda de suas igrejas. O pastor dizia: em nossa igreja, nos fazemos um círculo, pegamos o dinheiro com as duas mãos e o atiramos para cima; o que cair dentro do círculo é de Deus, e o que cair fora, é meu. O padre disse então: Em nossa igreja nós não fazemos o círculo; antes, traçamos uma reta perpendicular ao nosso corpo; o dinheiro que cair à nossa direita é de Deus, o que cair à nossa esquerda, é meu. O rabino disse por fim: nós os rabinos, fazemos de modo diferente de todos; apelamos para a justiça de Jeová; depois pegamos o saco de dinheiro e jogamos para cima; quando Jeová pega é dele, quando cai é meu. Esse, o espírito que orientou o fausto, mas, de João XXIII para cá, vem sendo criada uma nova ordem de coisas, restabelecendo a piedade fraternal dos primitivos cristãos. As igrejas se adaptam as modernas realidades da vida e as mãos ao progresso ela estende. Defende os direitos humanos, até então consagrados às ovelhas de seu rebanho somente, e o generaliza, independente de cor, pátria ou religião. Procura na simplicidade dos templos, a erradicação da magnificência, das pompas que mais falam aos sentidos que as almas. O ecumenismo, tão combatido pelos conservadores, toma vulto e já, pastores de crenças várias, oficiam em igrejas diversas das suas, no advento da era de um só pastor e um só rebanho. Dou graças a Deus por me fazer compartilhar desses primeiros passos.
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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.
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