DESTINO

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.





O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1977 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, religião e temas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano III, edição nº.137, de 11 a 17 de janeiro de 1980.




DESTINO

NELSON LORENA


Quando éramos crianças, nosso estremado pai nos contava que, no lugar onde existe uma casa assombrada, uns quinze metros afastada da rua, em frente à Caixa Econômica, existia um “mangueiro” do Cel. Domiciano onde, certa vez, alojou-se ali uma Companhia de Fantoches. Os artistas eram movidos pelos proprietários, por intermédio de cordinhas ocultas que davam às cenas alguma realidade, como se vivos fossem. Agora, meditando muito sobre a vida, chegamos à conclusão de que nós somos uns bonecos, à guisa de fantoches no palco da vida, manobrados também pelas cordinhas do Destino. Possuo um grande amigo, o maior deles, talvez, trabalhador, vida morigerada, que se enviuvou. Casado há trinta anos, passou pelo golpe de perder a amada companheira. Jamais pensava em novo matrimônio. Um dia, suarento, sob um sol causticante, trocava o pneu do carro quando uma moça pede-lhe auxílio para desenguiçar sua moto. Ao tentar limpar o suor do rosto, a moça percebendo sua dificuldade oferece-lhe um lenço que, servido, foi-lhe devolvido em seguida. Por incrível que pareça, desse simples fato, nasceu um casamento que até hoje dura. Ele com sessenta anos, ela com vinte e cinco. Extravagante, incrível, mas aconteceu. Agora, as possíveis razões: os cientistas descobriram que o suor do homem, segrega uma substância que atrai as mulheres! É isso mesmo, atrai as mulheres! Sabíamos que nos irracionais, essa secreção exerce influência no sexo oposto; sabíamos igualmente que os cães pressentem nosso temor, pela secreção que emitimos pelo medo. Mas essa, ignorávamos. Segundo os descobridores da grande novidade, o cheiro se assemelha ao sândalo, logo ao sândalo, cujo perfume faz encher-se de orgulho qualquer machado que o corte. Então, o Destino, manobrou as cordinhas, aproveitou o suor do homem ao trocar um pneu e ligou os dois seres. E, o Destino continua manobrando os seus bonecos. Um velho passa agora seus dias, atrás do modesto balcão de sua venda. A filha, com quinze anos, vai para São Paulo e diz ao pai que, de lá, só voltaria com o diploma. Passados que lá vão seis anos, contou-me um seu freguês, que a moça voltou de São Paulo e trouxe um garoto com ela. E, ao pedir um maço de fósforos ao velho, este olha nas prateleiras e não acha o material pedido. Chama o garoto, seu neto e lhe diz: “Vai ali ao Luiz da venda e lhe diz para me mandar um maço de fósforos emprestado; mas olha Diploma, não se demore.” O freguês intrigado lhe pergunta: “O menino se chama Diploma?!” E o velho: “O negócio é o seguinte; minha filha disse ir para São Paulo, estudar e somente voltar com o diploma. Veio de lá antes do tempo, esse garoto é o diploma que ela trouxe.” No imenso teatro da Vida, de acordo com nossos méritos, rainhas, vassalos, reis, truões, ministros, lacaios, ricos, miseráveis, felizes, infelizes, tudo somos. Oculto sob o véu do imprevisível, manobra as suas cordinhas o Destino.


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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.




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