LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1977 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, religião e temas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano III, edição nº.136, de 04 a 10 de janeiro de 1980.
ONDE O AMOR ENSAIA SEUS PASSOS
NELSON LORENA
Não sentimos, como deveríamos, os problemas que afligem a Humanidade, isto porque as responsabilidades que nos prendem ao lar e aos nossos afazeres nos afastam do contato permanente com o sofrimento alheio. Chegamos mesmo a esquecer que, em cada cabeça fervilham dramas e tragédias que reclamam nossa piedade, nosso carinho e participação cristã, no sentido de atenuar o martírio das aflições, onde o sentimento fraterno faz muitas vezes voltar aos rostos, um sorriso de esperança. A humanidade é um organismo enfermo, onde as chagas morais do espírito se refletem no corpo somático como causa, irrefutável, de vidas passadas se, na atual não existirem. Longe vão os anos de dolorosa recordação, que os padecimentos dantescos de um ente amado, muito nosso, nos levava ao tratamento de radioterapia, de uma retino blastoma. A aplicação do rádio se processava de três em três minutos e, de hora em hora, vinte cancerosos eram tratados e atendidos, isto, num dos milhões de hospitais existentes em todo o mundo, verdadeiras células de esperança dentro deste organismo deteriorado que é a sociedade em que vivemos. Era extremamente doloroso, pra nós, o desfilar de condenados onde em cada olhar mal se via uma sombra de esperança. Não há lugar melhor para que o sentimento de amor ao próximo possa falar mais alto dentro de nossa alma. Há, evidentemente, um desdobramento dessa virtude quando estamos em franco contato com a dor, com o sofrimento comum. Fizemos há pouco tempo, e isso temos por hábito, uma visita a certo hospital do interior. Todos nós deveríamos desta maneira, levar um pouco de amor aos que sofrem, porque isso também é uma forma de tratamento e cura. Ali se confundem as dores e as alegrias, os sorrisos e as lágrimas, o findar de uma vida e o despontar de outra, a esperança que nasce e a desilusão que abate. Mas, no fundo de toda tragédia humana, há sempre uma pontinha de humor! Na enfermaria dos homens encontro abatido, lamentoso e inconsolável, um velho que me disse haver perdido a esposa. Perguntei-lhe: “Mas como foi isso meu velho?” E ele me reponde: “Morreu de colape! O coração parou de repente.” Na enfermaria das mulheres encontro a Cida, minha ex-empregada, que me disse estar com “Dilatação”, pois estava “vomitando muito e fazendo obra a toda a hora!” Outra senhora, estava com suspeita de “Pinicite”. E uma tal de Dª. Maria, feição fechada, testa enrugada, sentindo dores, ao ser interrogada sobre seu mal, disse-me estar com “Ursa no istambo”. A santa ignorância, aliada à simplicidade sem afetação que caracteriza nossa gente foi, depois de tudo, um refrigério para meu coração. Ao sair, vi um mundo onde a indiferença e o desamor abundam em contraste com aquelas paredes, dentro das quais, entre lágrimas e gemidos o Amor ensaia seus passos.
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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.
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