LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1977 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, religião e temas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano III, edição nº.120, de 10 a 16 de setembro de 1979.
EGO FACIO, ERGO SUM
NELSON LORENA
A liberdade é um direito natural a todos os seres criados, racionais e irracionais. O mar, o céu, a terra, constituíram desde sempre o meio em que os seres podem desfrutar da liberdade de ação, sem as peias das leis humanas que a limitaram. É ela ainda hoje, uma miragem a correr, a fugir daqueles que a pretendem alcançar. A ardência desse supremo anelo continua a queimar e a paralisar nossos impulsos, sem que o seu calor possa aquecer nossas ações. Em busca desse ideal, esbarra o homem em sua caminhada no cipoal emaranhado das leis, por ele mesmo criadas, retardando-lhe a conquista, impondo-lhe dependência. Quanto ao Pensamento, somos integralmente livres; jamais haverá grades, leis que possam encarcerar esse dom da mente. Infelizmente, por si só, ele nada edifica se não houver continuidade na Ação. E é justamente na Ação, nas suas obras, o que evangelicamente é superior à Fé, que o homem existe. Daí porque, atrevo-me dizer que o silogismo cartesiano “Cogito ergo sum”, é parcialmente falso. Diria: “Facio ergo sum”. Sim, porque o pensamento estagnado enclausurado, não projeta o homem como Ser útil na coletividade, se a Ação não puder revelá-lo. E assim, em simples atitudes, espontâneas, naturais, sem artificialismos, ou mesmo com eles, os caracteres são pesados e medidos. E, não se diga que essas observações se prendam somente a nós humanos, mas também aos seres inferiores da criação. Neles, como em nós, há defeitos e virtudes. Tivemos cães, como muita gente também os tem, possuidores de sensibilidades que somente a alma possui; que sabiam chorar, rir, mostrarem-se envergonhados quando censurados na prática de atos reprováveis, apresentando reações, atributivas do espírito. A dedicação, a defesa incondicional da prole, o instinto de conservação, o medo, a raiva, o ciúme, a astúcia e todos os sentimentos inerentes ao homem, os irracionais os possuem. Guardo de minha infância a impressão dolorosa há setenta anos, quando no matadouro do Rio Bocaina, os bois, pressentindo a morte, em mugidos lamentosos, encostavam suas cabeças ao tronco para receber o golpe fatal. Na suíça, um cisne em vôo, ao lado de sua companheira, é atingido por um raio, precipitando-se ao solo, morto; a fêmea o acompanha, e ao certificar-se da morte do macho, levanta novamente em vôo e, lá do alto, fecha as asas e se projeta ao solo, suicidando-se! Possuíamos dois cachorros: um vira-latas e outro pastor alemão; eram amigos inseparáveis. O pastor é atropelado e morto; enterrado às ocultas do vira-latas, este descobre a sepultura, escava na ânsia de achar o amigo e, na impossibilidade de encontrá-lo, deixa-se deitar sobre ela, durante dias, sem comer e sem beber, com a mesma nostalgia que o humano sente. Os pescadores de peixe espada, relatam que este peixe vem sempre acompanhado pela fêmea, eles somente pescam um e aguardam, o outro por moto próprio se atira para dentro do barco, buscando na morte do companheiro, aquilo que em vida, os homens lhes negaram. Em crônica interessante, Fernando Sabino nos conta que, a gata Gilda, que vivia se esfregando nas pernas dos fregueses que costumavam tomar uísque no terraço da ABI, no Rio; estranhamente, começou a passear languidamente, para lá e para cá no parapeito, exibindo seus fartos pelos brancos, “como uma atraente modelo, envolta em arminho, na passarela de um desfile de modas”. O fato chamou a atenção de muitos fregueses, que procuraram descobrir a razão de tamanho charme. E descobriram; no prédio fronteiro, estava um gato preto, com olhos faiscantes, parecendo o mais miserável dos gatos, babando de desejo, olhando as gatimonhas da Gilda. Pareceu ao cronista que o gato, “inferiorizado em sua condição de gato preto e vagabundo de telhados”, considerando a distância “social” e o espaço que os separava, num repente se encolhe, arma o salto, como um bólido, se projeta no espaço e explode lá em baixo no asfalto. Amor à primeira vista, paixão e desespero, diríamos. Agora, as naturais falhas humanas, mesmo daqueles que pretendem ser, somente pela palavra e não pela ação, mensageiros de Deus: um importante jornal de Londres nos traz a notícia de que o pároco da Igreja de Santa Helena, reverendo Robin Clarck, depois de pedir aos fieis que se retirassem por instantes, mandou ao seu filho de 18 anos, matasse um pardal que começava a cantar dentro da igreja, justamente na hora em que se iniciava ali, um concerto de guitarra! Muitos choraram penalizados com o fato; outros achavam que era preferível matar o guitarrista! Outros citaram o versículo bíblico: “Todos, grandes e pequenos, são criaturas de Deus”. Estas são, pois, as Ações, à base das quais, personalidades e caracteres se definem na construção deste mundo de contradições em que nos movemos. Concluímos, pois, como mais aceitável o “Ego facio, ergo sum”, que encima esta modesta crônica. O Pensamento é o motor da vida, a Ação é a essência que o movimenta.
*****
Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.
Veja também:
NELSON LORENA – O ARTISTA CACHOEIRENSE
A ARTE DE NELSON LORENA
Nenhum comentário :
Postar um comentário