OS APOSENTADOS DA PRAÇA

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.





O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1977e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, religião e temas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano III, edição nº.134, de 21 a 28 de dezembro de 1979.




OS APOSENTADOS DA PRAÇA

NELSON LORENA



Estive ontem no jardim da Praça, ou melhor, na Praça sem jardim. Juntei-me aos velhos aposentados que, diariamente e religiosamente, ali se encontram para um “bate papo”, ora recordando episódios de sua vida funcional, seus bons momentos, ora suas decepções. E, sobretudo, para comentar as injustiças que lhes vem sendo feitas pelos órgãos governamentais, relegando ao esquecimento suas reivindicações e seus direitos a uma existência digna de seres humanos, direitos esses já consagrados e atendidos, aos que sabem e devem fazer greves. Essa condição de inúteis, pesos mortos, sanguessugas da nação, se assemelha à da vaca mandada ao corte, porque já não dá mais leite. Em nossos quarenta anos de trabalho a Pátria estava em ascensão, sob o esforço dos “inúteis” esquecidos de hoje. Assistimos atualmente, desolados, a queda para o abismo da falência, a que os “milagreiros” empurram nosso país. O chamar-se alguém de “velho”, parece-me que antigamente havia um sentido pejorativo no termo. Lembro-me que meu extraordinário Pai, um dia chamou um garoto que o chamara de “véio” e lhe disse, insultado: “Olha, não é "véio" que se diz, ouviu? É, velho, sabe? Se sua mãe não sabe lhe dar educação, diga a ela que eu dou...” Pessoalmente, nunca isso me preocupou; meus filhos assim me tratam habitualmente; mesmo porque não me considero velho, apesar já na faixa dos setenta e oito. Ao contrário, sou o jovem com mais vivência, mais aperfeiçoado, com faculdades mais sólidas que na juventude possuía, como por exemplo, a de discernir sutilezas de certos caracteres, a de aprofundar de alguma forma na alma humana, a de estabelecer a diferenciação entre um ‘amigo’ e um AMIGO; de um ‘irmão’ e um IRMÃO. Que meus colegas deixem de se considerar velhos, que saibam envelhecer, passando por essa fase da vida, sem dela se aperceber, ignorando-a mesmo. Basta tão somente, para isso, que haja de maneira generalizada e normal o envelhecimento gradual e inevitável e simultâneo de todos os órgãos de nosso corpo; e quando isso acontece, sentiremos as mesmas ilusões, os mesmos anseios, a mesma disposição para amar, para viver, pois que o envelhecimento cronológico, nem sempre corre parelha com o fisiológico. O envelhecer não constitui enfermidade; ao contrário, é a enfermidade que precipita a velhice prematura, evidenciando-se o declínio físico, pelo cansaço, fraqueza muscular, desânimo, com reflexo na mente, pela incapacidade criadora. Vamos, pois, como “velhos” relegados ao abandono e ao olvido até então, esperar a promessa do João, oferecendo-nos um aumento de vencimento de sessenta por cento com inflação a noventa, com o cruzeiro valendo sessenta centavos, a contar de março quando, até lá, milhares morrerão sem calçar um pé do “chinelo” prometido, enquanto descalços precisam de dois!


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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.




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