SOB O SIGNO DA MENTIRA



  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.





Com sua fertilidade característica, Nelson Lorena escreveu em forma de crônicas sobre, história, ciências, crítica, política, religião e temas do cotidiano, entre outros. Do acervo de sua produção, entre 1977 e 1990, destacamos a matéria publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano I, edição nº.35, de 13 a 19 de janeiro de 1978.



SOB O SIGNO DA MENTIRA


NELSON LORENA

No âmbito de nossas relações, assim como no amplo círculo das relações entre os povos, constitui a Mentira, na maior parte das vezes, um fator de equilíbrio. A sociedade exige e se sente enobrecida com ela. “A hipocrisia é a homenagem que a Verdade presta a falsidade.”, na expressão de B.J.Shaw. Mentimos quando sorrimos a um doente de mal incurável, para que nele se desponte a ilusão de uma esperança; decantamos as melhoras que na realidade não existem; mentimos quando lhe propomos planos para o futuro, quando realmente sentimos em nossa carne a dor de uma vida que se finda; eliminamos as rugas da testa aparentando otimismo hipócrita, mas choramos às escondidas nos corredores. Temos observado como certos médicos sofrem, ao serem obrigados a mentir ao doente amigo, acenando-lhe a esperança de uma cura impossível; como lhe dói na alma ao ver uma vida preciosa e cara escoar-lhe entre as mãos, sentir de alguma forma a fragilidade de sua ciência diante do fenômeno morte, possuir até, talvez, um sentimento de frustração. A mentira ocupa entre a humanidade maior espaço que a Verdade. Um amigo fez, certa vez na tela, o retrato de sua esposa; mostrando a um colega para ouvir sua opinião, ficou decepcionado com a delicadeza do colega, ao achar parecido com Dona Xepa o seu trabalho, rasgando-o na mesma hora; preferia um leve elogio, ainda mesmo que hipócrita. Mentem os crentes de todas as religiões quando no recesso de seus templos chamam-se “irmãos” e, fora deles se difamam e se exterminam. O convencionalismo social, nos obriga dizermos a alguém que nos é apresentado, às vezes um “cara” cujos fluidos não se casam com os nossos, “É um prazer conhecer-lhe”, ou, “encantado”, ou ainda, “muito prazer” quando nada disso sentimos. Na Espanha, é mal educado o homem que não dirige um galanteio, ou lisonja a qualquer mulher, mereça ou não. As mentiras dos Tratados de Paz e Amizade entre as nações, mantêm o mundo por algum tempo tranqüilo, com seus canhões e bombas nucleares silenciosos, disfarçando mentirosamente a verdade que a beligerância mais tarde traduz. A mãe, que dá à criança que chora a sensação do seio por uma chupeta enganosa, não está mentindo? Não mentem os laboratórios que alardeiam a excelência de um novo produto, sem mencionar todas as contra indicações? Prometer é arma do político, não cumprir, é a característica comum; e aceitamos essa condição humana como uma grande verdade que nos envolve, dentro da qual nós nos sentimos bem, vivendo nela nos agitando e, com ela nos conformamos. A imagem humana se transfigura, se amolda às conveniências, como o camaleão do nordeste, se para seu bem estar e comodidade isto se tornar necessário. Contam-nos um fato que reflete justamente a psicologia generalizada da mentira, manifesta principalmente em todos que mantêm o estômago acima da cabeça. 1815: a França toda sofria com as derrotas do seu Imperador. Toda a imprensa exaltava o gênio extraordinário de Napoleão e nele depositava suas esperanças, apesar dos sucessivos insucessos. Após a abdicação e seu isolamento na ilha de Elba, os jornalistas esquecem o herói de antes e passam a endeusar Luis XVIII, da Casa dos Bourbon. Bonaparte volta novamente, fugindo do desterro. A Imprensa comenta “A fera desembarcou em Antibes!” “O bandido pernoitou em Valence.” “O usurpador marcha sobre Lyon.” “Bonaparte alcança Dijon.” “Napoleão entra em Troyes.” “O imperador chega em Melun, às portas de Paris.” “Sua Majestade Imperial entra em Paris!” Vaidade, vaidade, tudo vaidade, diz o Eclesiastes. Nós dizemos: Mentira, mentira, tudo mentira!


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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.


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