A VERSATILIDADE DO CRITÉRIO

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.





O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas escritas, entre 1978 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, religião e temas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano III, edição nº.126, de 22 a 28 de outubro de 1979.




A VERSATILIDADE DO CRITÉRIO

NELSON LORENA



Deus é infinito e todos os seus atributos, sintetizados em Amor, Paz, Justiça. Nós, os Seus filhos, herdeiros dos bens e virtudes que nos foram legados, jamais soubemos tirar proveito dessas divinas dádivas, desperdiçando-as, corrompendo-as, enlameando-as na podridão de nossos baixos apetites, de nossos incontroláveis erros. Erros que se perpetuam à sombra tênue e débil da cruz do Calvário, empalidecida que vem sendo à medida que a Fé perde seu calor nascido nas catacumbas! O Orgulho, a Vaidade, a Cobiça, a descrença e a injustiça dos homens, empunham as rédeas e dirigem o carro, sob cujas rodas, agoniza a Fé. Bruxuleante nesse estado de torpor pré-agônico, a luz que deveria iluminar nossa longa caminhada na senda do destino, orientando o comportamento humano, se desfaz, e o homem fica não mais à esperança da justiça divina, mas ao contrário, à mercê daquilo que mais de perto lhe fala ao estômago. E, nesse desespero egoístico, agravado com as torturas, com os seqüestros, com os crimes e, sobretudo com as injustiças da própria Justiça, criam-se climas de insegurança, de medo, de um futuro incerto, isto porque a Lei dos Homens tornou-se a mortalha da Fé em sua agonia, da religiosidade que diferencia o homem do bruto. Consequentemente, as coisas palpáveis, as que nossos sentidos acusam, que o imediatismo recomenda, passam a ser o objetivo da existência. a humanidade morre á mingua de Amor, de Paz, de Justiça. O dinheiro tornou-se a medida com a qual se medem o caráter e o critério humanos, isso em todas as partes do mundo. Nos EE.UU, Patrícia Hearst, filha de um bilionário americano, sem nenhum problema de ordem financeira, simplesmente por aventura, tornou-se assaltante de bancos e de outros crimes decorrentes de sua “distração”. Presa, foi julgada e absolvida, enquanto seus comparsas foram condenados, já que não possuíam a “medida” com que se compra a justiça. O espírito de fraternidade que poderia e deveria tornar nossas vidas, belas e desejadas, desapareceu, sufocado por uma Fé inconsistente, amorfa, hipócrita mesmo. “Fazei aos homens, tudo quando queirais que eles vos façam”, disse o Mestre na pregação do Monte; mas os subalternos e inconfessáveis interesses da vida, amorteceram gradualmente o eco desse ensinamento que constitui para nós, a fórmula do mais justo e perfeito julgamento, esquecida, lamentavelmente pelos magistrados, pela Justiça em todos os tempos. Uma moça, fruto dos desvarios da licenciosidade dos costumes e da educação moderna, tem seu belo rosto estraçalhado por quatro balas assassinas. Talvez que o seu destino, fosse o de morte violenta, como resgate de erros praticados em vidas pregressas. “Quem com ferro fere, com ferro será ferido”, palavras atribuídas a Jesus. Alguém deveria se prestar a ser instrumento do resgate; nunca, jamais aquele que sempre fez da vítima, objeto de seus apetites, de seu prazer, pasto da satisfação de sua sensualidade e que lhe proporcionou momentos de rara felicidade. A absolvição do criminoso se transformou num escândalo judiciário, que a própria Justiça deveria ter retirado dos olhos a clássica venda, para ver de frente e às claras, os autores de tão deplorável escândalo, e ele veio, avaliando o preço de cada bala num belo rosto, em seis meses de prisão! Um cigarrinho de maconha, fortuitamente apreendido no boldo de um coitado qualquer, ainda mesmo que primário, lhe dá cinco anos de condenação. O defensor do réu classificou sua última intromissão em julgamentos, como seu “canto do cisne” orçado em dez milhões de cruzeiros, segundo os jornais. Nada modesto, pois por muito menos ouvimos Sinatra e Roberto Carlos. A melhor forma de julgamento, a que mais se aproxima da verdadeira Justiça é aquela em que nos colocando nas condições do réu, faz com que procedamos como desejaríamos que procedessem conosco; isto é preceito cristão. Se Ângela Diniz fosse, por exemplo, filha do “cisne moribundo”, outro não seria seu veredicto?!



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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.




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