CLAMA NE CESSES

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.




O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1977 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e cenas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano IV, edição nº.162, de 07 a 13 de julho de 1980.




CLAMA NE CESSES

NELSON LORENA


Aberra contra os mais comezinhos princípios da piedade humana, a marginalização dos idosos, da pessoa envelhecida após as duras lutas de uma vida de trabalho, angústias, lágrimas e, muitas das vezes, decepções de que a existência sempre foi farta. A adaptação do homem na senectude, aos costumes da época moderna, exige-lhe de alguma forma a abdicação de conceitos arraigados em seu temperamento, que lhe torna difícil a vida de relações, pela incompreensão e intolerância dos mais jovens. Em todos os núcleos humanos o fenômeno se repete. Por isso mesmo os velhos, os aposentados, particularmente, procuram fora do lar, nos jardins e nas praças, no convívio por algumas horas com pessoas amigas e colegas, o bom entendimento e, na reciprocidade nos diálogos o instante agradável aos que estão já no entardecer da vida. Homens e mulheres sentem a realidade do problema e procuram atenuá-lo no contato desafogante, do quase ostracismo em que de alguma forma a velhice os coloca. Nota-se que este fenômeno não foge à regra, mesmo entre as grandes concentrações humanas. Há cidades, em que seus filhos procuram substituir, por obsoleto, tudo quanto atesta um passado ainda mesmo que seja de arte, de glórias e bom gosto, por um ciclópico monstro de ferro e cimento, duro e deselegante, desagradável, mas atualizado. Diminuem-se, quando não olvidam de vez, os esforços daqueles que na mocidade deram o melhor de suas forças e saber e, sufocam-se as tradições mais nobres. As civilizações de outrora desapareceram sobre as rodas do progresso, esmagadas pelos modernos conceitos de vida; mas seus feitos, sua fase de esplendor, o valor de seus homens, são sempre lembrados e festejados. Há cidades, próximas à nossa, que tiveram seu fastígio e riqueza com o ciclo do café e hoje, embora em sua estagnação de “cidades mortas”, os seus filhos decantam seus feitos, suas glórias, sua projeção na vida econômica do país, procuram por todos os meios tornar mais risonha e menos envelhecida a face de suas terras. Silveiras é um dos exemplos. É Cachoeira Paulista quem lhes fala, filhos ingratos! É Cachoeira e, quisera poder fazer como Gorgias, sofista grego, a apologia da minha própria velhice, nestes dois séculos de existência. Se o carinho de alguns filhos dedicados me envaidece, o desprezo a que outros me devotam e me abandonam marginalizada em meu aniversário de duzentos anos, magoa-me deploravelmente. Os responsáveis não são censurados pelo que fazem, mas muito mais o são pelo que não fazem. É a cidade, em cujo seio vocês nasceram, que lhes dá a situação topográfica mais bela do Vale, o invejável clima que desfrutam, a paz e a tranqüilidade tão necessárias às suas vidas, que lhes fala. Quero lembrar-lhes, meus filhos, que Piquete e Queluz, com recursos financeiros bem menores que o meu, comemoraram seus natalícios por vários dias de festas. Lamento precisar despertar-lhes para a gratidão, pois, haveria muito maior mérito se, por moto próprio, vocês a despertassem. Ainda há tempo, meus filhos, vamos, mostrem ao Vale, à Pátria, que Cachoeira Paulista ainda existe e que clamará sem cessar, sempre que for preciso.



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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.


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