QUEM VAI MORRER

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.




O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1977 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e cenas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano IV, edição nº.161, de 30 de junho a 06 de julho de 1980.




QUEM VAI MORRER


NELSON LORENA



Não são os templos luxuosos, as catedrais pródigas em arte e beleza, os mais custosos monumentos religiosos, que constituem a casa do Senhor. Não pretendamos fazer desses valores da arte e do saber humanos, o Santuário de Deus. Mas, é na criança, na pureza de sua alma, na candura de seus olhos, no dulçor de seu sorriso, que Deus sintetizou toda a grandeza de Sua obra, toda magnificência de Seu pensamento e da Sua criação. A uma mãe, andrajosa que estava, que ao peito aconchegava um filhinho de poucos dias e que explorava a caridade pública, entre queixas e lamentações, frutos da vida precária e miserável comum em nosso povo, perguntei-lhe após servi-la: “Por quanto a senhora deixaria cortar os seus dedos, as suas mãos, cegar-lhe os olhos, por cem milhões de cruzeiros venderia seu filho?” E ela respondeu: “De forma alguma e por dinheiro nenhum.” Perguntei novamente: “E se a vida de seu filhinho viesse a depender destes sacrifícios?” Ao que respondeu-me: “Deixaria cegar meus olhos e cortar, dedos e mãos”. Tal é, para qualquer Mãe, o valor de um filho dentro do qual Deus habita. Apaguei dela a chama do infortúnio, mostrando-lhe ser uma das mais ricas Mães do mundo. Compreendido o seu valor na construção da humanidade, cumpre-nos ampará-la e socorrê-la em suas necessidades, transformando, para melhor, a face do mundo. Ao aproximar-se o inverno nossas vistas devem ser dirigidas, principalmente, aos menos favorecidos financeiramente, proporcionando-lhes agasalhos, meios e recursos outros que possam precavê-los contra o reaparecimento de moléstias comuns nesta época. Instituições filantrópicas, o Rádio Amador, o PX e outras comunidades já se movimentam nesse sentido, pois, a Caridade é um meio e a Fraternidade o fim. S.Santidade, o Papa, nos visitará breve. Suas palavras entrarão no coração de nosso povo, por índole, religioso e por temperamento, pacífico e antibelicoso. Sabemos que, na totalidade dos países que visitou, a maior parte de Suas advertências e conselhos esvaiu-se como a fumaça das chaminés das indústrias dos fabricantes de guerras. S.Santidade nos dirá, como Pio XII, que a corrupção de costumes invadiu até mesmo o rebanho de suas ovelhas; que na educação e formação moral da criança reside a felicidade do mundo vindouro. Dirá que, ovelhas menos avisadas de seu rebanho, membros da organização “Padres pela igualdade”, boicotaram sua visita aos EEUU e protestos houve contra a celebração de missa em praça pública. Dirá que suas palavras de Paz e Concórdia não foram ouvidas pelo Presidente católico que treina jovens para a guerra no deserto (menos seu filho, naturalmente) e viaja pedindo à Europa bases para instalações de mísseis balísticos para a destruição de um provável inimigo. E, daqui a alguns anos quando perguntarem, “Quem vai morrer? Quem vai ser carne para canhão, na hecatombe que se avizinha?” Responderão: “Aquele garoto, que ensinamos a não matar sequer uma formiga, a não maltratar aos animais, que subia nas árvores para ver os filhotes dos pássaros sem molestá-los, mas que os governos ensinaram a odiar e a aprender matar o próximo”. Quem vai morrer? Aquela criança que, em noite de intensa invernia, sob o manto gélido da neve que encobria o seu rancho, gemia e chorava de fome no desejo ardente de viver. Aquela a que mãos caridosas levaram os agasalhos e o leite, mas que, para a satisfação do egoísmo de falsos cristãos, será sacrificada nos campos de batalha, enquanto os potentados morrem na cama. É mais útil à Pátria quem vive para ela, do que quem por ela morre. A criança é a semente da Árvore da Vida! Ampará-la, educá-la, oferecer-lhe formação moral e religiosa, eis a base da fraternidade universal. E, nesse dia, não mais se perguntará: Quem vai morrer?


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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.


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