EM TODOS OS TEMPOS, OS “CAMBOATÁS”

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.




O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1977 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano III, edição nº.155, de 19 a 25 de maio de 1980.




EM TODOS OS TEMPOS, OS “CAMBOATÁS”

NELSON LORENA



Assim como os homens, também os animais. Há os introvertidos, os taciturnos, os extrovertidos, os acomodados, os travessos e brincalhões. Mais de uma vez, havemos demonstrado a semelhança atávica entre os racionais e os irracionais, encadeada que está à evolução da espécie. Há nos rios do Norte, muito especialmente no Amazonas e afluentes um peixe, o Tamboatã ou Camboatá, pequeno, com um palmo de comprimento, que possui características interessantes. Características que, muitas vezes, encontramos nos seres humanos. Quando um cardume de bagres ou lambaris se diverte, assim se nos parece, ziguezagueando em grupos regulares, disputando uma presa ou um alimento qualquer, o Camboatá, de “temperamento” diverso, que não é e não gosta de brincadeiras, em espadanas de detritos, lama e lodo, tudo enfim que lhe favoreça o objetivo, suja as águas de tal maneira, interrompendo a diversão. Ora, em nosso cotidiano, nas mais nobres realizações que pretendemos efetivar, aparecem quase sempre os Camboatás. São indivíduos que se comprazem em nada fazer e não permitir que outros o façam; muitas das vezes, solapam e destroem um ideal, mesmo reconhecendo a magnitude e nobreza das intenções, somente porque a paternidade da obra não lhes pertence. Verdadeiros Camboatás, peritos na arte de revolver o lodo do despeito e, muitas vezes mesmo, da ingratidão, tornam-se coveiros do Bem e do Progresso. Há, seguramente, quarenta anos passados, a fábrica de pneumáticos Michelin, mandou pelo mundo afora seus representantes, em propaganda ao seu produto. Uma carreta ou caminhão transportava um pneu gigante, para a admiração do povo e alegria das crianças. Correu a carreta toda a América do Sul, desde a Venezuela até os pampas. De retorno, passou pelo Uruguai, entrando no Brasil. Chegou até Cachoeira. Curiosos e crianças à guisa de procissão, acompanhavam o Michelin. Pois bem, por incrível que pareça, aqui em nossa modesta, simples e pacata Cachoeira, a “tournée” em “un tournemain”, se dissipou. Dois moleques, um, terrível por suas façanhas, já ausente da cidade, outro, empregado na serralharia do Sr. João Thomaz, já extinto, onde se fabricavam ferraduras para animais. Sabendo da visita do Michelin, encheram os bolsos de cabeças de cravos para ferraduras e esperaram na esquina do chalé dos Mendes, hoje o Banespa, o alegre “cortejo”. Duas descargas de cravos, com o estilingue sobre o Michelin inflado, fizeram-no murchar repentinamente, ante o pasmo de todos, inclusive dos responsáveis que, segundo dizem, exclamaram indignados: “Jamais! Jamais vimes dans le tout Amérique du Sud, pareille chose!” (Nunca! Nunca vimos em toda a América do Sul, coisa igual!) “Mal élevês, vagabonds!” (Mal educados, vagabundos!). Os “camboatás” que estragaram a festa do Michelin foram o terrível João Salgado e o Caveréco.

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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.



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