LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1977 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano III, edição nº.154, de 12 a 18 de maio de 1980.
Ó TEMPORA! Ó MORES!
NELSON LORENA
Jerusalém se preparava para a festa da Páscoa. Muita gente tinha por hábito dirigir-se para ali, muitos dias antes mesmo das festividades, para purificação. Num sábado, uma semana antes da Páscoa, portanto, chegou Jesus a Betânia, aldeia situada a légua e meia de Jerusalém, hospedando-se em casa de Simão o leproso. Foi aí que Maria derramou nos pés do Mestre o perfume de um vaso de alabastro, como de ordinário se fazia a todo visitante ilustre e digno. Domingo, foi Ele a Jerusalém e ao avistar a cidade, do alto do Monte das Oliveiras dizem, chorou. Amargura, talvez sentida, que logo se dissipou quando a turba acenando folhas de palmeiras bradava: “Hosana ao filho de David, bendito seja o quem vem em nome do Senhor.” Passou Jesus, segunda, terça e quarta o dia todo, entre seus discípulos, pernoitando sempre em casa de Simão. Era de tristeza o seu semblante, onde parecia se ocultar uma agonia antecipada. “Ó Pai! A minha alma está amargurada”, disse Ele. Quinta-feira, Jesus compartilhou com os discípulos, a última ceia. A repartição do pão e do vinho selou o testamento deixado pelo Mestre. Consumou-se a traição. A ordem de prisão foi dada, cumprida e, logo após, o julgamento. Sexta-feira, a paixão e morte. Sábado, Nicodemos e José de Arimatéia, vencendo o rigor da lei judaica, levam Jesus ao túmulo. Domingo, antes de romper do dia, Maria Madalena, Joana e Maria Salomé, vão à sepultura e constatam a Ressurreição. Eis, em síntese, a primeira Semana Santa. Mil novecentos e quarenta e sete anos depois, comemora-se o transe doloroso do Calvário; o sublime holocausto do supliciado no Gólgota. Os seus passos são lembrados. Passam, a caminho dos templos, os crentes, na aparência triste, uns em irrepreensível indumentária discretamente lutuosa, outros em irretocável luto. Vão depositar uma lágrima sentida, quem sabe, aos pés da imagem do Salvador. E, quando sincera essa manifestação, algo de majestoso, de imponente se nos apresenta na grandiosidade da Fé. Sexta-feira – tudo nos leva a crer que o brado dolorido; “Meu Deus! Em vossas mãos entrego o meu espírito.”, proferido por Jesus, reboe no âmago de seus filhos, para os quais, os cilícios, as mortificações, os jejuns, nada significam ante a dor por Ele sentida nestas intérminas vinte e quatro horas. Sábado – “Aleluia, Aleluia! Peixe no prato e farinha na cuia!” Malha-se o Judas em todos os recantos da cidade. A máscara da hipocrisia que foi o Domingo de Páscoa, afivelada em nossas faces, caiu, reaparecendo o riso, oculto há seis longos dias! A rotina da indiferença continua. Voltam, novamente por mais um ano aos nossos guarda-roupas, o terno preto, o vestido negro e a máscara da impostura. Comamos e bebamos à farta, na recuperação do que perdemos em macerações do corpo. A indumentária alegre dos bailes substitui a da véspera, lúgubre o bastante para impressionar o mundo que julga pelas aparências. As “Touradas em Madrid”, “Pastorinhas”, “Alah lá, ô”, “Que terra boa pra se farrear”, abafam a riqueza harmônica das peças sacras de Klaus, de Bach, de Gounod! O domingo inicia-se encontrando-nos nos bailes; e, se não fosse blasfêmia, seríamos capazes até de dizer que a moral de Cristo é um trambolho. Por ela somos forçados a abandonar um baile “legal” para ouvirmos, sonolentos, o sermão da Ressurreição! Mas, satisfaz-nos o havermos representado a comédia até o fim. E agora, só para o ano. Meu Deus! Até quando seremos sepulcros, caiados por fora e podres por dentro?! Ó tempora! Ó mores!
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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.
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