LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1977 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano IV, edição nº.153, de 05 a 11 de maio de 1980.
A RONDA DA FOME
NELSON LORENA
Quando uma catástrofe assola a multidão, quando o angustiante sofrimento do desastre se generaliza, paradoxalmente, desperta o sentimento de fraternidade, enchendo os corações de um calor tão divino, capaz de esfriar e aniquilar os mais fortes ressentimentos, os mais acirrados ódios. Todos se unem num só amplexo, enfrentando a violência, abrandando os efeitos da hecatombe. Estamos sob a ameaça dessa hecatombe, onde a falência de virtudes, de religião, de capacidade administrativa, são os principais responsáveis. Bate-nos à porta a guerra do Armagedon apocalíptico, a escassez de alimentos, a fome, cuja era se nos parece iniciar agora. Ângelo Roncali, o Pastor e Nauta, ou melhor, o Papa João XXIII, em uma das suas profecias, fala das lutas e guerras entre os povos e aponta a carestia como a única arma capaz de neutralizar a contenda. A terra vence o homem em sua maldade e ambições. Todos dependem dela. Quanto mais retalhada e ferida pelos seus filhos, mais pródiga, como Mãe que é. A fome é uma conseqüência do seu abandono. Não precisamos ir muito longe para avaliarmos o futuro que nos aguarda. Vamos ao nosso Brasil, ao nosso povo, à nossa cidade que já pressente os prenúncios da era da fome em cujo roteiro caminhamos. Nossas terras são retalhadas e vendidas, quase de graça, a plutocratas estrangeiros insaciáveis que as exploram em proveito próprio, abarrotando de divisas os bancos de além mar. E o Brasil, outrora “essencialmente agrícola”, importa feijão, milho, batata, cebola, alho, carne, trigo, etc., alimentos inacessíveis ao assalariado. Anteontem visitei um amigo “salário de fome”. Ele, mulher e quatro menores; vivem como planta estiolada, à mercê, como me disse, da “Providência Divina”. Arroz, feijão, leite e pão são as únicas coisas que pode comprar para viver. Carentes de roupa, calçados, remédios, essa a imagem da família do “salário de fome”, cujo chefe não pode sorrir para o filho mal nutrido, mal vestido, sem agasalho que possa cobrir-lhe as conseqüências da carência. A um homem de mãos calejadas e estômago vazio é negado o direito de dizer que tem fome, que precisa de um salário digno de um ser humano, porque isso é contra a lei. Ilegal é, para nós, criar-se a situação de miséria e de fome para o homem que, embora honesto, precisa roubar para viver. Somente não protesta contra este estado de coisas, a cúpula administrativa da nação, que esmaga o protesto, vence, mas não convence. E o barco da vida, continua à deriva pela incapacidade do timoneiro. O espectro da fome que já faz milhões de vítimas em muitas partes da Terra, também faz sua ronda aqui. Esta a geração que fará do mundo o que nos fala João XIII, onde minorias em contenda, disputam o que dele resta como as hienas ao cadáver e depois, segundo a profecia, o Caos. Mas, na manhã seguinte, o sol da fraternidade entre os homens brilhará eternamente.
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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.
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