FORMIGAS E COCHONILHAS HUMANAS

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.





O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1977 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano III, edição nº.143, de 18 de fevereiro a 02 de março de 1980.




FORMIGAS E COCHONILHAS HUMANAS

NELSON LORENA


Possuímos uma plantação de árvores frutíferas, inclusive laranjeiras. Observamos que após a floração, pequenos insetos como pulgões e cochonilhas invadiam os troncos e infestavam o pomar; verificamos também que formigas ruivas, num intenso vai-e-vem, em movimento que mais se assemelhava a um policiamento, protegiam, não sabíamos qual a razão, a proliferação das cochonilhas. Estranhando o fato, procuramos descobrir a causa, que outra não era senão a preservação da secreção produzida pelas cochonilhas, muito ao sabor das formigas. Fabricavam assim, as cochonilhas, um material de consumo para as formigas que, num gesto “protetor”, defendiam-nas dos ataques dos outros predadores, criando-se uma interdependência na sobrevivência de ambas, uma simbiose de relacionamento. Nos animais, como nas plantas, o fenômeno se repete. É interessante sabermos que a maior parte dos microrganismos que habitam nosso corpo não é infecciosa; os saprófitas, na simbiose de seu relacionamento, se tornam mesmo úteis, nosso organismo se compraz e aceita a sua intromissão, pelas vitaminas que sintetizam e que nos são necessárias. Os dias passam, os anos se acumulam, as lucubrações filosóficas nos levam às deduções que aumentam nosso cabedal de experiências e, das cochonilhas ao homem, a distância encurtou-se. Surge então, uma humanidade hipócrita e calculista, numa versatilidade que descamba para os interesses mesquinhos, onde as amizades se ocultam no mimetismo das cínicas regras do moderno viver. E a razão humana, adaptada a toda esta série aberrante da moral, deturpa aquele instinto que nas simbioses de saprófitas e organismos, de formigas e cochonilhas, determinam a coexistência pacífica entre si. A ânsia de domínio gera a exploração do homem pelo homem; das nações pelas nações, na ignorância de que, todos dependem de todos. Vemos superpotências, exercendo sua influência política no sentido de limitar nossas exportações ao bloco da “cortina de ferro”, vendendo-lhe toneladas de trigo e oleaginosas. Taxam a importação do nosso café, artigos manufaturados de couro, tais como calçados, asfixiam nossa produção e nos acenam com a falsa amizade dos empréstimos financeiros, com que nos mantêm de joelhos, submissos. Essa situação nos enche de revolta, que maior se torna, ao lembrarmos que nossos próprios poderes públicos estimulam as vergonhosas e humilhantes situações que levam nosso povo ao abuso do álcool, e desprezam as conseqüências degenerativas que sua ingestão produz porque o alcoolismo abarrota os cofres da nação, influindo em sua receita em 15%. A intemperança foi o maior fator de destruição do Império Romano. Para desagregação de nossa raça os governos fecham os olhos, exploram-na, estimulam as conseqüências desastrosas do vício por todos os meios que a propaganda permite e subestima o valor do homem como célula na formação de nossa integridade política. Exploram as ‘“cochonilhas”, mas não lhe dão compensações. Sem qualquer restrição, a propaganda invade os lares induzindo as crianças e moços que se alcoolizem, aos adultos que se embriaguem, permanecendo a autoridade, insensível e indiferente a uma propaganda desagregadora do caráter, em razão de subalterno interesse econômico-financeiro. A hipocrisia social tem levado as sociedades a combater outros tipos de drogas, porque elas não têm sido industrialmente exploradas e estão na zona da clandestinidade. O álcool é o pior de todos os tóxicos. Em nossos longos anos de vida, conhecemos famílias inteiras dizimadas por efeito dele. E, para que o fiel de nossa balança financeira, não se afunde mais ainda, morram os pombos, mas faturem-se os milhões, na aplicação da divisa jesuítica de que o fim justifica os meios. Formigas interesseiras e cochonilhas desavisadas haverá sempre, em qualquer parte do mundo, onde ponha o homem os seus pés.



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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.




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