LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1977 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano IV, edição nº.182, de 17 a 23 de novembro de 1980.
INSTRUÇÃO, PARA ONDE VAIS?!
NELSON LORENA
Volto o meu pensamento à pacata Cachoeira de setenta anos atrás. A vida da cidade era a Rua da Estação, hoje Marechal Deodoro, que terminava na Praça do Comércio, hoje Dr.João Evangelista. O movimento de cinqüenta trens diários, entre cargas e passageiros, dava-lhe a animação e o calor, que apenas se esfriavam à medida que a noite caia, mergulhando-a em sonhos, nos quais ainda hoje parece submersa. Recordo-me que as escolas, modestas em quantidade, eram ricas em qualidade quanto ao ensino ministrado. O programa abrangia oito matérias que prodigalizavam aos alunos uma cultura generalizada, o bastante para garantir seu futuro logo ao término do curso primário. Hoje em dia, os métodos de um ensino precário como já havemos dito e agora reconhecido pelos próprios poderes governamentais que proclamam sua falência, retardam a aparente cultura conseguida pelos jovens nos estudos bitolados, dificultando-lhes a consolidação e a estabilidade financeira. Essa, a imagem negativa do ensino no Brasil. No magistério público, na advocacia, na engenharia, na medicina e em outras atividades do homem, a inconsistência do Ensino é comprovada. Certa vez, em uma reunião intima que comparecemos, o anfitrião, um professor, havia colocado no toca-discos, a Lucrécia Borgia, de Donizetti; admirando a voz da cantora, perguntei-lhe: “Quem está cantando?” e a resposta veio: “É a Lucrécia Borgia.” Redargüi que não era possível, pois ela já morrera há muitos anos. O anfitrião procurou justificar, dizendo que o disco era uma nova gravação de sua voz! Compreendi o anacronismo e a ignorância histórica e, para todos os efeitos, ficou sendo a filha de Alexandre VI, morta há mais de quatrocentos anos, quem cantava! Perguntei a um médico, se a estrutura da célula nervosa era idêntica no homem e no cavalo. Fez um ar de riso e me respondeu: “Você agora me pegou pelo pé, pois com franqueza, não sei lhe responder.” E fiquei sem saber, muito embora a considere igual quer no homem quer no cavalo, pois os impulsos nervosos respondem às sensações em todo organismo vivo. Ouvi numa viagem ao Rio, a conversa de um senhor que criticava a dualidade das bitolas em nossas estradas de ferro; umas de 1 metro e outras de 1,60 m, e que se poderia ir de Paris a Londres numa bitola só! Mas, “risum teneatis”, e o canal da Mancha? Dei-me “por vencido”, quando um advogado afirmou que defunto, morto e espólio, são uma mesma coisa! Elevados, edifícios e obras de cimento armado desmoronam-se por erros de cálculo...! Dizem que a piscina da Praça de Esportes está paralisada, por defeitos técnicos. Uma professora, certa vez, me perguntou por que “Pi” é uma constante. Muitos não sabem por que o vento aumenta o fogo, outros, por que a água o apaga! Mas, em meio a essa ignorância toda, fruto da desorganização de nossos métodos de Ensino, há muitos valores que souberam se sobrepor ao desastre educacional e despertam como as esperanças de um Brasil mais culto. Pilhéria ou fato, não devo silenciar: Um curtidor resolveu tirar o filho, do ambiente fedorento e insuportável que é o do couro em preparo. Mandou-o para o Seminário, onde seu irmão era o Diretor. O rapaz progrediu rapidamente, segundo se afirmava, para a alegria do Pai. Numa das férias, após dois anos, foi à missa com o velho. A cada frase, em latim, proferida pelo sacerdote o rapaz traduzia para o orgulhoso Pai. No sermão, quando o padre exaltava a humildade como base da Fé, disse mais ou menos que: “Cors contritus e humiliatus, ne Deum epitia”, que eu não sei, e nem o velho, que logo pediu ao filho para traduzir. Este, também não sabendo, mas não querendo “descer da nobreza”, responde: “Pai, ele disse que: couro curtido e molhado, nem Deus espicha.” Gosto de recordar. Nas recordações se firma o conceito real da vida. São elas, para mim, um paraíso do qual jamais desejarei ser expulso.
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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.
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