A RECIPROCIDADE DO APELO

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.




O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1977 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano IV, edição nº.179, de 27 de outubro a 01 de novembro de 1980.




A RECIPROCIDADE DO APELO

NELSON LORENA



Povo hospitaleiro, paciente, bom, conformado, mesmo ante a adversidade, como o de nossa cidade não é fácil de se encontrar. Contam-se aqueles raros, que não cultivam essas virtudes. Foge às dissensões, aos escândalos, às discussões estéreis, virtudes essas, imprescindíveis à ordem e ao progresso de uma cidade que precisa se projetar com expressão de valor entre as demais. O apelo, periodicamente feito através da imprensa pelos poderes municipais, no sentido do zelo e conservação de nosso patrimônio material, vem sendo semente lançada em terra fecunda e seus efeitos são sentidos. Nosso povo vem correspondendo ao zelo solicitado. Não mais chegou ao nosso conhecimento que jovens, em despedida da vida de solteiro, houvessem como outrora se despido na praça e, na euforia de excessos, içado suas peças íntimas na espada do Soldado Constitucionalista do monumento, um dos raros do Estado e que as interpolações administrativas vêm comprometendo a concepção primitiva do autor. Na impossibilidade, financeira possivelmente, de repararem as calçadas das ruas principais onde residem, os moradores zelam por elas, para que seu aspecto não piore. A área de terra batida dos canteiros da Praça não aumentou, ainda é a mesma de anos atrás graças à “vigilância” dos aposentados da Central, infalíveis ali, em suas tertúlias matinais diárias. Guardam-se com carinho e, porque não dizer com tristeza também, os fragmentos da estátua de São Cristóvão, patrimônio municipal doado pelo povo derrubado por um caminhão há mais de dois anos, na esperança da autorização das autoridades para sua recuperação. Isto tudo, significa amor e correspondência aos apelos feitos pelas autoridades. Todo patrimônio, quer material, jurídico, social ou histórico, tem seu fundamento no patrimônio Moral, do qual todos decorrem. Foi este patrimônio que transformou os vencidos da última guerra nos vencedores de hoje, em cujas portas os plutocratas fabricantes de guerras, vencedores de ontem, batem mendigando favores e consolidação financeira. Nota-se em nossa gente, maturidade e sentimentos que edificam e firmam a personalidade mantendo sempre acesa a chama do Patrimônio Moral. Mas, paradoxalmente, o que vemos, no entanto, é que justamente na ausência desse Patrimônio, reside a condição “sine qua non” para as conquistas e os enriquecimentos ilícitos. A cidade está calma e, de um modo geral, as ordens jurídica e social são dignas dos melhores encômios. Mas o patrimônio histórico, jamais esteve tão olvidado como agora. Nossa origem, nossa história está morta. Na arquitetura, na música, na escultura, na literatura, na pintura procurei, embora modestamente, deixar e deixarei por muitíssimos anos, o sinal de minha passagem pelo torrão do qual me honra ser filho. E é justamente com essa credencial que, mesmo fugindo aos meus hábitos, faço sentida crítica ao Legislativo e Executivo pela omissão às festas do bi-centenário da cidade de Sebastiana de Tal e Silva Caldas. Desejávamos como cooperação, a reintegração da estátua do São Cristóvão, a inauguração da pista dupla da Avenida Maestro Lorena, em cujo canteiro central seria erigida a estátua do Maestro, inauguração do Parque Municipal Professora Dona Nina, do qual fizemos a maquete, eu e meus filhos, cuja construção solicitada ao Prefeito pelo seu líder, seria um dos pontos altos das festividades, isso considerando que, em aniversários comuns, Barra Mansa, Três Corações, Queluz, Cruzeiro, Piquete, Paraguassú Paulista, Sorocaba, Itapoá, Penápolis e em muitas outras, houve uma semana de festas comemorativas. E a velha Cachoeira, esquecida e marginalizada como geralmente é a velhice, recorda o antigo núcleo dos “puris”, a capelinha de Sebastiana de Tal em 1780, a primeira missa da capela nova em 6 de agosto de 1786, o trenzinho da Margem com a “Maria Fumaça” em 1875, a festa da inauguração da E.F.D.Pedro II e da estação em 7 de julho de 1877, as missas da capela de tábuas de Santo Antonio, as precauções de Donana Pinto, quando ia às rezas com um revolver nos seios e o punhal nas ligas, a riqueza das missas cantadas do maestro Randolpho e, refreando por instantes sentidas recordações, parece-nos ouvi-la pedindo a este povo hospitaleiro, paciente, bom, conformado mesmo ante a adversidade, que desperte nos poderes responsáveis a virtude do zelo ao patrimônio histórico. A reciprocidade do apelo possui a força da Razão.


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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.




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