LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1977 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e cenas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano IV, edição nº.186, 24 de dezembro de 1980 – EDIÇÃO ESPECIAL.
MUNDO TARTUFO
NELSON LORENA
Há comportamentos e atitudes contraditórios na vida da humanidade, desde os tempos primitivos, e que aumentam gradativamente à medida que o sentimento religioso se afasta do coração humano. Este sentimento, maior ou menor, demonstra por outro lado e apesar de tudo, que existe dentro de nós algo de Divino que permanece adormecido, como uma larva enclausurada em seu casulo à espera de uma oportunidade para rompê-lo e abrir suas asas ao Amor e a Paz. Desde os tempos bíblicos, o homem vem demonstrando que há um abismo entre o que somos e o que deveríamos ser. Interiormente, existe o que somos à imagem e semelhança de Deus. Exteriormente, um deus polimorfo, contraditório, feito à imagem do homem, que faz e desfaz e comanda nossos atos moldando-os às conveniências de cada indivíduo. Todo ensinamento, toda norma de conduta, devem ser submetidos ao crivo da Razão e da Lógica e repelidos quando estas lhes apontarem inconsistência e refutabilidade. Desde a Bíblia até aos nossos dias, existem fatos e coisas que justificam o tema que ventilamos e que, muitas vezes, não dá para os entendermos. Segundo a Bíblia, Jeová fez as ervas, fez as arvores, antes de fazer o sol! No sexto dia fez o homem, “macho e fêmea o criou”, quer dizer, hermafrodita, sim, com dois sexos! Posteriormente fez Eva, da costela de Adão, que sem a gestação uterina, não deveria possuir umbigo! Noé, “varão, justo e perfeito aos olhos de Deus”, simplesmente porque foi surpreendido nu por seu filho Canaã, amaldiçoou-o e fê-lo escravo de seu irmão! Moisés, que falava com Jeová todos os dias e horas, mata por vingança um egípcio, aniquila reis, destrói cidades entrega as mulheres à soldadesca! A mando desse deus convencional, exterior, David degola, destrona reis, submete os vencidos ao suplício da talhadeira e da serra, assa prisioneiros, toma a mulher de Nabal, Bethsabet de Urias, as concubinas de Jerusalém. Constantino, o consolidador do cristianismo como religião do Estado, manda matar seu filho Crispo e sua esposa Fausta! Lincoln lutou contra a escravidão em seu país, mas possuía escravos! Em nosso Brasil, quando a “civilização” era menos corrupta, quando havia mais recato e decência nos comportamentos, importavam-se prostitutas africanas no século XIX. Hoje, que o “progresso e a civilização” são caracterizados pela corrupção de costumes e degeneração moral, exportam-se prostitutos, sim prostitutos, que no “basfond” parisiense, correspondem a 50% da sua totalidade! Pretende-se segundo dizem, auxiliar o Iraque, ferido por uma guerra de conquista, em sua reconstrução, quando não há recursos para a solução dos problemas da seca e da fome dos nossos irmãos do Nordeste! Como entender que se bata às portas de um país, oito vezes menor que São Paulo, duzentas e sessenta vezes menor que o Brasil, para lhe comprar batatas, quando na década de 60/69 produzimos um milhão de toneladas. Como entender que possuidores que somos de noventa milhões de cabeças de gado, o terceiro rebanho do mundo, compremos carne do Uruguai, o menor país da América do Sul, área como a do Paraná?! Nossa produção de feijão foi, na mesma década de 60/69, um milhão e meio de toneladas; em 1980, o espetáculo humilhante, nas filas e nas mortes em conseqüência que desbotam e desfiguram a imagem de qualquer povo. Não será mais necessária a solução científica do controle da natalidade; a fome que nos ameaça, resolvê-lo-á. Ouvimos proclamar em 1979 que o povo não pode viver com a inflação a 40%; em 1980, o povo não pode viver com a inflação a 100%; em 1981 dirão que o povo não pode viver com uma inflação a 150%. E, até lá, o Anjo da Morte tocará com suas asas os corpos das vítimas da incapacidade humana. Não dá mesmo para entender “ab origine” o mundo tartufo em que vivemos!
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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.
Veja também:
NELSON LORENA – O ARTISTA CACHOEIRENSE
A ARTE DE NELSON LORENA
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O EFÊMERO
Dilah Lorena
(Ensaio)
A alegria, que era tão intensa,
transformou-se em lágrimas.
As bocas sempre unidas –
agora separadas.
As mãos que acariciavam com
ardor
Varrem agora os sonhos mais
belos.
Os olhos que consentiam –
agora repelem.
No ar, não dança mais a
esperança.
Da música da vida que aos
poucos se despe
As notas dispersam-se no
espaço.
Nesse infinito espaço.
Já não mais possível,
reunidas
Os sonhos já não são mais
importantes.
O que era ardente e profundo,
agora é superficial, sem valor.
É frio sem calor...
A amargura transborda em
soluços
Angustia e solidão –
fim de um amor
Fim...
Mas ainda resta tanto... tanto...
Dilah, filha de Nelson Lorena, atualmente reside em Portugal e brindou a Edição Especial de "O Cachoeirense" com este ensaio em 24/12/80.
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