NÓS, OS MORTOS!

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.




O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1977 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano IV, edição nº.166, de 04 a 10 de agosto de 1980.




NÓS, OS MORTOS!

NELSON LORENA



Nascido e criado dentro de uma escola materialista, tal a que meu Pai fundara no lar e entre os seus primos, identifiquei-me com os conceitos emitidos e difundidos por Ele, conceitos que, somente após uma trintena de anos, fenômenos supranormais em pessoa de minha família vieram demonstrar a sua fragilidade como postulados e destruir erros já arraigados em minha mente. A esperança de uma vida futura e eterna brotou em meu coração, deu-lhe novo alento e calor, como nas madrugadas as pétalas orvalhadas da flor experimentam à luz do astro-rei. Apesar de tudo quanto aprendi e observei embora admitindo Deus, o espírito e a sobrevivência do Ser, o medo de morrer persistia. O apego ao mundo palpável e a realidade abstrata do desconhecido, entravam em choque, tornando cambaleantes meus passos na caminhada inexorável do tempo apontando-me a luz bruxuleante do ocaso que a velhice aponta. Resolvi vencer a velhice fazendo do trabalho permanente uma constante em minha vida, para dela usufruir a alegria de viver enquanto meu coração pulsa. Numa ânsia de viver, como se a vida consistisse somente nos laços materiais. Lendo e manuseando sempre os Evangelhos, encontrei frases que definiam a vida na carne como transitória e instável. Minha imperfeição preferia mais o desfrutar entre afagos e carinhos, tudo o que de bom o lar nos dá, que a “hipótese” de uma felicidade coloca. A interpretação do “Deixai os mortos enterrar os seus mortos”, confundia-me e se chocava com o que eu considerava vida e, o Cristo dizia ser a morte. Pois bem, de um ano para cá, tenho ouvido de uma filhinha, então com cinco anos, as afirmativas de que aquilo que nós chamamos de vida é realmente a morte. Pela hipótese de regressão da memória, psicólogos e outros tem recebido a afirmativa de que a alma ingressa numa prisão. Sem que me interfira nas conversas da filha citada com suas amiguinhas e com parentes que nos visitam, ouço suas afirmativas de que “já veio muitas vezes aqui na terra como criança”, que “morreu uma das vezes bem velhinha, antes mesmo que todos os seus filhos”, “que os mortos não morrem, estão vivos, muito vivos, somente invisíveis para todos nós”, que “seu pai o é agora, pois, outros teve em vidas passadas”, que “quando veio lá de cima onde existem muitas cidades, muita gente ficou chorando com sua partida”. Meditei muito sobre tudo o que ouvi e, quem sabe se Jesus falou pela boca dessa criança. Parece que realmente somos os “mortos que enterram os seus mortos” e continuaremos a enterrá-los. Não tenho agora a menor dúvida de que há uma vida real e eterna, onde o espírito não se reveste do invólucro putrescível em que somos revestidos. As coisas tangíveis são precárias; somente é eterno aquilo que não se toca. Não serão os partos prematuros, os abortos, o grito da criança ao nascer, senão os brados de protesto ante a liberdade perdida? Mas, apesar de todos esses lampejos de bem-aventuranças, a luta de classes, a ânsia do poder, a postergação dos direitos humanos, a posse da terra, ainda continuarão conduzindo os homens a enterrar os seus mortos.


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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.




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