LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1977 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano III, edição nº.151, de 21 a 27 de abril de 1980.
O MAGNO PROBLEMA DE VIVER
NELSON LORENA
Como elemento de nossa crônica e, mais ainda por que nos é agradável, voltamos uma vez mais ao passado, abusando da paciência do leitor. Sentimos um prazer inexplicável em recuar aos passos que, juntamente com amigos, demos; às nossas alegrias, às nossas dores, aos dias de paz, aos dias de lutas, de anseios e desilusões que inundam nossa alma de indefinível sentimento. Habitualmente, manuseamos as Memórias de nosso extraordinário Pai, espelho cristalino onde nossa imagem se reflete, muito embaciada embora. Ontem, encontramos este trecho com data de 1951: “Em frente à casa do Romualdo Addeo, na rua S. Sebastião, na casa em que mora hoje um dos Ferreira, existia naquele lugar uma outra casinha cor de rosa, de duas portas e duas janelas, onde morava meu avô paterno. Na casa velha, que foi da Nininha do Balduino Miranda, pouco abaixo da do Romualdo, morava meu pai. Um dia atravessei a rua e me sentei na porta de meu avô, com quem papai conversava. Dizia meu avô: “Randolpho, não sei onde vamos parar desta maneira que as coisas estão encarecendo! Imagina você que hoje mandei comprar no açougue do Luiz Moreira, um quilo de carne de porco, e ele teve a coragem de me cobrar 500 reis! Um litro de arroz, 200 reis, uma rapadura, 2 vinténs! E por aí, tudo subindo, a carne de vaca já está a 18 vinténs! Uma dúzia de ovos, 12 vinténs!...” Ora, desde os tempos primitivos os seres vivos sofrem modificações em sua estrutura física, adaptando-se às condições ambientes através das várias Eras, pelas quais a Terra vem passando. Os macacos usam a cauda para sua segurança nas árvores, o homem em embrião possui seus rudimentos, mas que se tornam inúteis, pois seguram com as mãos. Os bovinos e semelhantes possuem as caudas para afugentarem os mosquitos, o uivo do lobo se modifica, quando domesticado, latindo como o cão, voltando à vida selvagem, torna a uivar como antigamente. Na lei da adaptação do órgão ao meio, os esquimós possuem órgãos iguais aos nossos, mas não sobrevivem fora da zona polar; os animais carnívoros possuem caninos fortíssimos para dilacerar sua presa, herbívoros que somos, os possuímos apenas como reminiscências da evolução. A Terra vem sofrendo transformações em sua estrutura e o nosso organismo a elas se adapta. Há nesta terra de Cabral, segundo afirmam, dez milhões de desdentados e quarenta milhões de pessoas com dentes cariados. Campeão mundial na dívida externa, sem o crédito de seu maior “amigo”, o Tio Sam, a massa trabalhadora com salário de fome, que não dá para viver com dignidade, sem a mínima possibilidade aquisitiva, o Brasil, assiste à ameaça da fome em seus filhos. Considerado o país mais pobre do mundo, depois do Sudão, vemos seus filhos se adaptando às condições precárias de sobrevivência, perdendo os dentes, por inúteis, já que leite, aluguel de casa e farmácia absorvem todo seu minguado salário. Dentes para quê? Se de nada podem comer! Da maneira que a humanidade caminha e em particular a nossa terra, parece-nos que a profissão de dentista deixará de ter razão de existir, pois, se acaso houver o que mastigar, não haverá como o adquirir. Mas que não se assustem nossos amigos da ciência odontológica, a adaptação dos órgãos ao meio ambiente se processa através de centenas de séculos.
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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.
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