ONDE O PASSSADO SE TORNA PRESENTE

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.





O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1977 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano III, edição nº.140, de 28 de janeiro a 03 de fevereiro de 1980.





ONDE O PASSADO SE TORNA PRESENTE

NELSON LORENA


O desejo de conhecer mundos diferentes daqueles em que vivemos é um sentimento natural, em todas as raças da humanidade. Parece-me que as cidades, as belezas naturais, os costumes e outros fatores que a versatilidade da vida nos revela, nos atraem e nos seduzem. Eu, pelo menos, sinto uma vontade irrefreável de conhecer, ou melhor, talvez, “rever” Florença, a cidade de Lourenço, o Magnífico, da família dos Médicis, berço da arte renascentista. Este desejo, pelo menos em mim, tem sua razão de ser, pois sinto uma saudade envolta em sombras de tristeza, que me recua no tempo e no espaço, a uma época já vivida em vidas passadas, contribuindo para isso, circunstâncias de ordem artística e sentimental. Possivelmente, para outras pessoas que sintam as mesmas aspirações, existam análogas razões. Isso, contudo não elimina em nós brasileiros, o desejo de apreciarmos e encarecer o valor dos atrativos naturais de que nosso Brasil é farto. Aí estão Maquiné, Caverna do Diabo, Sabará, Brasília, Ouro Preto, Congonhas do Campo, Mariana, São Paulo, Rio de Janeiro, Sete Quedas, Iguaçu, Paulo Afonso e uma série infinita de atrações, a satisfazerem ao mais exigente turista. E, nesse particular, como na arte, na cultura, na indústria, na tecnologia, na ciência, particularmente na médica, nosso Brasil se impõe, exporta saber e se liberta do tempo em que somente era bom e belo o que era estrangeiro. Lembro-me que o Maestro Lorena, uniformizou sua banda de música com uniforme branco; seu desejo era que o tecido fosse de linho belga. Não conseguiu seu intento, por motivos que ignoro. Em 1922, quando o Rei Alberto I e a Rainha da Bélgica passaram por Cachoeira, no centenário de nossa independência, fomos com a “furiosa” à estação ferroviária homenageá-los e tocamos “La Brabançone”, o hino belga. A Rainha estava vestida com um costume de linho branco, elegante e bela. Meu pai retira o saxofone da boca e segreda nos meus ouvidos. “Repara a Rainha! Aquilo é linho belga, que eu queria para nosso uniforme!” Hoje, nossa indústria têxtil rivaliza com a melhor do mundo. Não é somente o brasileiro, que sente este arrastamento para as coisas de além mar, além fronteiras, como vaga reminiscência de um passado longínquo que vale a pena recordar, “rever”, mas poucos são, no entanto, favorecidos com a possibilidade de revivê-lo. No bairro de Ginza, em Tóquio, residia Tairo Iamamoto, estabelecido com uma Casa de Chá. Seus hábitos morigerados e sua vida exemplar não condiziam com a sua predileção pelos contos policiais de crimes e violências, a maioria dos quais retratava a vida do baixo mundo de Chicago, principalmente. Seu desejo era o de conhecer e talvez ”rever” a cidade do crime. Obcecado por essa idéia, amealha recursos para a viagem, entrega os negócios aos filhos, vai ao aeroporto de Narita e embarca para os EEUU. Teria em alguma época, além do mundo sensível, vivido ali? Queria ver a metrópole do crime, como os contos Policiais a retratavam. No avião pede à aeromoça para avisá-lo, logo entrasse em território americano. Quando São Francisco estava à vista, o Sr.Iamamoto sente-se mal e vai ao banheiro; daí a pouco a aeromoça bate-lhe a porta prevenindo-o: “Sr. Iamamoto estamos voando sobre São Francisco!” E a resposta “Brigado senhorita! Agora São Francisco nô; primêro, quero ver Chicago!” Recalque quase doentio, nascido de uma literatura dispersiva! Malba Tahan, nosso brilhante escritor, em seus maravilhosos contos, ricos em detalhes e minúcias as mais sutis, vazava toda sua criatividade, graça e encanto, em motivos puramente relativos aos costumes e vida dos povos do oriente médio, particularmente árabes e marroquinos. É difícil para nós, deixarmos de parte a hipótese, de que no extravasamento de sua pena estão memoráveis episódios de vidas pregressas. E, na vaga lembrança mesclada de saudade de um passado distante, o desejo de voltarmos aos sítios por onde outrora palmilhamos, onde o passado se torna presente.



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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.




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