COMO VAI A NOSSA LÍNGUA

LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.




O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1977 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano IV, edição nº.198, de 20 a 29 de março de 1981.




COMO VAI A NOSSA LÍNGUA

NELSON LORENA



Sempre considerei a língua portuguesa de difícil acesso à minha compreensão e assim, sempre fui mau aluno dessa matéria. Em minha vida funcional, as obrigações que me eram impostas fizeram-me cuidar com mais carinho de minha redação. Por força de muito ler, consegui algum sucesso. Desconheço as regras gramaticais e escrevo como melhor me convém. Seria injusto se não mencionasse aqui a cooperação de Alberto de Barros, colega de escritório que não me poupava, na erradicação de minhas mancadas. Mas, de uns tempos para cá, estou desorientado com a balbúrdia que vemos nos jornais, nas TVs, na Imprensa em geral, onde a língua pátria é massacrada, deturpada, enterrando-se toda a sua beleza. As palavras começam a tomar sentidos diversos aos de origem, e eu que periodicamente me comunico com o povo pela imprensa, assim como outros, fico sem saber como me situar para ser compreendido e compreender. É comum, nas novelas das TVs, o emprego de “a gente” como pronome, no singular e no plural: “Amanhã (eu) a gente estuda este caso” ou “Amanhã (nós) a gente estuda este caso”. No programa Sílvio Santos, é comum ouvirmos: “João namora com Maria”. Quem namora, namora alguma coisa; poeticamente dizemos; “João namora a lua” e não “com a lua”. Li no “O Cachoeirense”, “Jair vai emprestar nove milhões”. Um amigo meu leu o jornal e, como amigo do Jair, foi procurá-lo na esperança de conseguir um empréstimo, ante as aperturas em que se achava; mas, antes de achá-lo, o que não é fácil mesmo, soube nos portões da Prefeitura que o Jair não ia emprestar mas, ao contrário, pedir emprestado. De outra feita; “Ainda o aumento do funcionalismo”. Estranhei pois isso implicaria no acréscimo da verba da União, que prega sua contenção; mas não era nada disso; tão somente “Ainda o aumento dos vencimentos do funcionalismo”. No “O Cachoeirense”: “A seleção não deu certo”; não seria melhor: “A seleção não deu certa”? Se estava errada, não estava certa. É habito também, quando estamos em dúvida, dizermos afirmando: “Não sei de fulano, com certeza, foi viajar”. Certa vez na papelaria do Agostinho Ramos, Monsenhor Machado, como bom conhecedor de sua língua, português que era, criticou-nos por confundirmos emprestar com pedir emprestado. Quando da visita do papa, ouvimos que “Um milhão de pessoas aplaudiram S.Santidade”. Se um é singular, eu diria que “Um milhão de pessoas aplaudiu o papa.” E, é justamente por isso que as gafes de minhas crônicas são toleradas, considerada minha formação primária. Imaginem que uma noite dessas ouvi, por incrível que pareça, o nosso João, sim, o nosso João que andava com o Agostinho aqui pelas nossas ruas em 32, dizer: “Podem os senhores ministros estarem certos...” eu diria: “Podem os senhores Ministros estar certos...”. Pronunciadas por pessoas portadoras de títulos e diplomas honoríficos, todas essas coisas me estimulam a liberdade de comunicação com o povo, que reconhece atrás de minha desativada linguagem, o esforço bairrista de quem procura fazer algo pela terra em que nasceu.


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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.


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