LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1977 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano IV, edição nº.197, de 12 a 19 de março de 1981.
O DÍZIMO NA BESSARÁBIA
NELSON LORENA
Por uma coincidência, dessas, cujas raízes se perdem nas profundezas de nossas indagações, estavam sentados num banco da Praça, amigos que são, um protestante, estudioso da Bíblia como geralmente o são, um católico fervoroso, um judeu e eu, ovelha afastada de um rebanho, pela cor de sua lã. Era uma perfeita reunião ecumênica e o assunto, o dízimo, começara não me recordo bem como. Estava eu interessado na origem dele, nas religiões. O protestante, versado mais que todos no Antigo Testamento, prontificou-se a definir seu uso e origem, dizendo mais ou menos assim: “A acepção comum do dízimo é a décima parte dos frutos da terra e que os crentes contribuem para as suas igrejas. Na Bíblia encontramos a origem do termo e sua aplicação num banquete festivo em que, em local consagrado festejava-se Jeová. Se longe o local, vender-se-ia tudo quanto era necessário ao banquete, sem esquecer do levita, e citava Deuteronômio XIV, 22, 27. De três em três anos, separava-se tudo quanto nascesse durante esse tempo, o que deveria ser dado ao estrangeiro, ao órfão, a viúva, ao pobre e ao levita. Isso para que Jeová abençoasse a todos que ouvissem e cumprissem Sua palavra.” Na interpretação não muito clara do assunto, diz o protestante, “parece que Nabucodonosor houvera destruído o Templo de Salomão, construído dois séculos antes e Josias que começou a reinar com oito anos de idade, ao décimo oitavo ano de seu reinado modificou em parte a aplicação do dízimo, ordenando que os dízimos depositados no Templo, fossem aplicados na sua reconstrução e distribuídos aos artífices que nele trabalhavam e na compra de tijolos e pedras. Posteriormente, os dízimos eram entregues aos sacerdotes e levitas que dali tiravam um décimo para suas despesas e auxiliares do Templo”. Satisfeita a minha curiosidade pedi ao católico que desse a sua opinião, ao que em sua linguagem simples, mas sincera, falou: “No cristianismo primitivo, não se cobravam dízimos, substituídos por ofertas espontâneas e variáveis e moedas depositadas no gazofiláceo, que seriam aplicadas aos órfãos, aos pobres e às viúvas carentes, e também no sustento dos sacerdotes e auxiliares, como consentiu Jesus e também S.Paulo.” Lembrei-me em silêncio de que S.Paulo achou mais nobrezas em servir ao altar que viver dele, e assim o fez. Continuou o católico, “Nos tempos atuais, há uma contribuição voluntária, sem o caráter decimal, de onde se projetam as obras pias, a conservação das Igrejas e a manutenção do clero”. Satisfeito, quis também ouvir o nosso “João Outro”, o judeu alegre e humorista. “Sr. Nelson”, disse-me ele, “o mundo está passando por uma fase de transição que nos assusta, nos apavora. Os hábitos, os costumes, a corrupção, a imoralidade, as mais várias contraditórias e esdrúxulas concepções de vida se acumulam, se entrechocam, modificando-se a estrutura social e religiosa. E, esse fenômeno vem de longe. Nasci na Bessarábia, região da Rússia, mas sou judeu. A questão do dízimo nas igrejas de lá é resolvida de forma muito diferente do ocidente. O protestante faz um círculo e atira o dízimo para cima, o que cair dentro do circulo é de Deus, o que cair fora e do pastor. O católico, faz diferente, traça uma reta e atira os dízimos para cima, o que cair à direita do traço, é de Deus, o que cair à esquerda, é do padre. Na igreja judaica, nós fazemos assim, sem círculos e sem retas, jogamos todos os dízimos para cima: o que Deus pegar é dele, o que cair no chão é do rabino.” E o assunto que era tão sério...!
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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.
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