LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1977 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano IV, edição nº.200, de 30 de março a 10 de abril de 1981.
A RUA DA SAUDADE
NELSON LORENA
A um amigo, de todos que possuo, o melhor, um “alter ego”, dizia eu: Cada dia que passa é mais um elo na cadeia de recordações que constituem nossa vida. Vida de esperanças, anseios os mais ditosos, sonhos, felicidades enfim, que o inexorável tic-tac do Tempo enche e mancha de sombras e amargas tristezas, muitas vezes. Com o que, meu amigo concordando, continuou: “Nossa existência é como um álbum de recordações e ao folheá-lo nos reportamos a um passado mesclado de risos e lágrimas; casas, pessoas e ruas, nos retrocedem a uma época que desejaríamos voltar.” “Falando em rua”, dizia-me meu amigo, “Você já reparou que há sempre uma delas que mais fala aos nossos corações?” “pois, eu”, e continuou, “tenho a minha, a Rua da Saudade. Há mais de trinta anos não passava por ela. Ocasionalmente, há dias, percorri-a em toda sua extensão, intimamente eu sorria, sem perder os detalhes, olhando portas, janelas, varandas, em prédios que projetei e construí. Ali vivi dez anos. As imagens abstratas de tudo, passavam pelo meu subconsciente e, neste retorno, eu via meus filhos e outras crianças em suas traquinagens inocentes e ingênuas, Dona Guilhermina com seu cigarro no canto da boca, o Lelé, seu filho, de camisola com o nariz sempre ranhento, cantando desafinado e rouco: “Quando monto em meu cavalo e pego o laço...” No portão de sua casinha, sua irmã Dulce, a gritar apaulistado chamando os gêmeos: “Nerço...Cerço...!”, a varanda de sua casa, o Maestro Lorena; o Fernandico, às voltas com o endiabrado Gordurama; o Biloca, tocador de baixo da banda do Maestro; o Inacinho, a me convidar para tomar um trago da “boa” com maracujá; o Romualdo, enchendo a boca de água e pulverizando a cabeça do seu galo de brigas. E, na casinha que construí com três contos de réis, minha imaginação penetrou: no sótão, você fazia o busto do Tonio Ferreira”; e meu amigo, emocionado continuou: “Na cozinha, encontrei minha companheira na luta diária da casa: arrumação, limpeza, três filhos e fogão com uma das vistas, gravemente enferma, prognosticando um câncer que mais tarde mortalmente sobreveio.” Aí então, eu que começara o percurso intimamente sorrindo, chegara ao seu fim com a dor da saudade, entre amarga e doce. Era noite; retorno ao lar sob a luz da lua, meu astro. Procurava fugir ao sofrimento moral da saudade; mas o cultivo artificial da dor, este masoquismo espiritual, talvez estimulado ou influenciado pelo luar me leva à janela onde, há trinta anos, eu e Ela ali debruçados namorávamos a lua em todo seu esplendor sobre o horizonte sem fim...
Ó quanta saudade daquela noite!/
Rolava a lua no leito azul do céu!/
prateando a serrania, o arvoredo em flor,/
o prado verde imenso/
e a face terna do meu doce amor!/
Nós, bem juntinhos, faces coladas,/
mãos enlaçadas fazíamos juras de amor./
E as ilusões mais fagueiras,/
passavam sorrindo ligeiras./
A vida, sonho ditoso!/
Ó, como tudo era belo e tão bom!/
Mas, certas coisas na vida/
são como a nuvem que passa;/
são causticante fumaça/
que envenena os corações.../
Foi-se a luz dos seus olhos,/
foi-se do corpo o calor!/
Findou-se assim tristemente,/
o meu grande amor...”
Rolava a lua no leito azul do céu!/
prateando a serrania, o arvoredo em flor,/
o prado verde imenso/
e a face terna do meu doce amor!/
Nós, bem juntinhos, faces coladas,/
mãos enlaçadas fazíamos juras de amor./
E as ilusões mais fagueiras,/
passavam sorrindo ligeiras./
A vida, sonho ditoso!/
Ó, como tudo era belo e tão bom!/
Mas, certas coisas na vida/
são como a nuvem que passa;/
são causticante fumaça/
que envenena os corações.../
Foi-se a luz dos seus olhos,/
foi-se do corpo o calor!/
Findou-se assim tristemente,/
o meu grande amor...”
E uma lágrima sentida rolou nas fimbrias de suas vestes. Silenciei-me por instantes e acrescentei: Meu amigo, as desesperanças de um passado que não morre e as esperanças de um porvir promissor, comandam nosso Destino.
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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.
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