LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1977 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano IV, edição nº.194, de 16 a 22 de fevereiro de 1981.
O AVESSO E O DIREITO DE UMA CIVILIZAÇÃO
NELSON LORENA
O humilde rapaz, casado, pai de três filhos, ótimo empregado de uma dessas empresas empreiteiras, instrução primária, educado cumpridor de seus deveres, conceituado perante seus chefes, era o que se poderia considerar um homem honrado. Adjetivos exigidos para que assim fosse considerado, não lhe faltavam. As dificuldades para a manutenção da prole aumentavam, à medida que vinham os filhos. Da carência de alimentação, sobrevieram a queda da nutrição e da saúde. Para ressarcir suas dificuldades, contraía empréstimos entre os colegas de serviço que, pela sua continuidade, vinham se tornando insolváveis. Tornou-se duvidosa a sua honestidade, com o desespero natural ao homem que a preza. Mas possuía em casa a maior riqueza para os pais: os filhos, aos quais amava desesperadamente, junto à esposa. Como seria natural, sobreveio uma enfermidade em uma das crianças. Sem poder adquirir os remédios e o leite para o enfermo, comprometida que era sua reputação, atemorizado ante a perspectiva sombria da perda daquilo que era a razão de sua vida, acha a solução extrema para a situação. Roubar. Sim, roubar, ante os olhos súplices e faces empalidecidas do filho que pede para viver. E, é assim que o mundo, severo em seu julgamento, desconhece as razões pelas quais, algumas vezes, um homem honrado se torna um ladrão. Rouba fios de cobre, revende-os no “ferro velho” adquire os remédios e o leite, recupera aos poucos o filho a saúde, salda os compromissos com os colegas, mas perde a liberdade, como ladrão. Isto mesmo, como ladrão honrado. Para o exercício de qualquer profissão exige-se, capacidade, dignidade, honestidade e honradez para valorizá-la. E, muitos são realmente dignos do cargo que ocupam! Mas a honradez, às vezes, também não as encontramos no advogado que recebe dez milhões, transforma o assassino em vítima e absolve-o. Não a encontramos no Juiz que absolve o criminoso que matou um pobre pai de três filhos por motivo fútil. Não a encontramos no “virtuoso” sacerdote, surpreendido ao desembarcar no cais, com um contrabando de relógios. Não a encontramos no médico que “louva aos seus doentes a eficácia de um remédio que lhe é pago em segredo pelos seus fabricantes”. Não a encontramos no gerente de um banco, que despoja o pobre necessitado de suas economias. Não a encontramos nos fabricantes de bebidas e cigarros, que com o beneplácito dos governos, envenenam e degeneram uma civilização. Paradoxalmente, dizem-se honrados certos indivíduos que fazem da desgraça humana, degraus para sua consolidação financeira, esquecendo-se de que, sob os tacões de seus sapatos, estão criaturas que também têm direito à vida, que possuem um coração que pulsa, que sabem amar, enfim, irmãos seus. E assim é que neste mundo tão contraditório, encontramos “ladrões” honrados e “honrados” ladrões.
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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.
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A ARTE DE NELSON LORENA
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