O PORQUÊ DAS DORES

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.




O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1977 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano V, edição nº.206, de 18 a 24 de maio de 1981.




O PORQUÊ DAS DORES

NELSON LORENA



Em toda a História da humanidade existem fatos cujas razões, por fugirem ao encadeamento lógico das causas conhecidas, tornam-se verdadeiros mistérios. Nós que vivemos perlustrando as páginas dos livros da vida, encontramos entre inúmeros fatos, dentre os quais três que oportunos que nos parecem e que, sem o apoio da filosofia que concebemos, poderiam ser considerados como mistérios. A degolação de João Batista, o precursor de Jesus, o assassinato do Padre Juca, no seu céuzinho na Santa Casa de nossa cidade e agora, a tentativa de morte do Papa João Paulo, Vigário Geral de Deus na Terra. Integrados na crença de que a vida termina no túmulo, João batista e Padre Juca teriam possivelmente formulado nos instantes que precederam as suas mortes, as mesmas interrogações ante o aparente abandono de Deus: “Por que isto a mim Senhor? Endireitei as Vossas Veredas! Sou o precursor, batizei-Vos!”. “Acabei de oficiar a Missa em Vosso nome! Meu coração que pulsou por vós morreu, dilacerado pelo punhal assassino...”. “Por que me fizeram isto? Por que eu, o Papa?”, falou João Paulo sentindo a vida fugir-lhe. E isto porque, o homem que tem a consciência equilibrada, sem as peias de grandes pecados, não concebe a morte violenta contra si, enquanto corruptos e malfeitores, caracteres dissolutos e criminosos passam pela vida, incólumes gozadores! Se Deus é infinitamente bom e justo em todos os seus atributos, por que essa diferença de destinos? E na busca da verdade, da resposta satisfatória, todos caminhamos pela longa estrada; diante de nós, a resposta aos acomodados e satisfeitos, “Mistério, os desígnios de Deus são insondáveis” e que ali, se detêm. Outros, insatisfeitos se arremessam além da miragem do mistério, lembrando-se do Cristo: “Buscai e achareis”. É imenso o martirológico eclesiástico, mas pelo que sabemos, somente dois Papas foram assassinados. Curiosamente, João X, em maio de 928; João XII, em maio de 964 e agora a incidência do atentado a João Paulo, também em maio de 1981; acrescente-se a estas coincidências, a soma dezenove em todas as tragédias! Admitindo-se as vidas sucessivas, desaparecem os mistérios e a razão nos penetra mais profundo na justiça divina, tornando-a mais clara, maravilhosamente bela e majestosa. Possuímos quatro sobrinhos irmãos; todos fortes e sadios; excepcionalmente um deles nasceu com hidrocefalia e jamais contemplou as maravilhas do nosso céu, da alvorada, de um crepúsculo, das alegrias da infância, do convívio na escola, dos prazeres da juventude, do carinho de uma namorada e com dezenove anos, deixou o mundo. Como podemos achar a justiça, no ambiente ou conceito da vida única? Se existem efeitos, existem causas, senão nesta vida, em outras vividas. Quando o Mestre declarou que João, o Batista veio no espírito e virtude de Elias, procuramos saber por que João foi degolado, e achamos. Elias passou pelas armas os profetas de Baal e os amalecitas; voltou como João e resgatou a dívida com a sua cabeça sobre o prato. “Quem com ferro fere, com ferro será ferido”. É a reação, da mesma natureza da ação, nesta vida e na futura. Deus está Todo em tudo e estava no céuzinho do boníssimo Padre Juca. Imperfeitos que somos, se possível, tudo faríamos para salvá-lo; livrá-lo das dezenove punhaladas que recebeu. No entanto Deus, impassível, cruzou os braços como qualquer ser desumano e assistiu amargurado, o resgate de uma dívida em vida anterior àquela que se extinguiu em 21 de dezembro de 1957. A filosofia que esposamos se firma na lógica e, na razão reafirma, permanecendo imutável e perfeita a Justiça de Deus. O “mistério” deixa de o ser. Não mais perguntamos ao Senhor, o porquê da dor, da violência que sofremos, da bala que nos atingiu, do punhal que nos matou, se convictos estivermos que, antes de rompermos o ventre materno, outras vidas tivemos, manchadas de erros e pecados. Peçamos a Deus, em nossas preces que o atentado, somente, seja a Carol Woitijla o resgate de seus pecados pregressos e que possamos vê-lo novamente entre as colunas de São Silvestre, o 1º da Igreja de São Pedro, abençoando seu povo.



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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.


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