A ARGILA HUMANA

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.




O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1977 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano V, edição nº.227, de 12 a 18 de outubro de 1981.




A ARGILA HUMANA

NELSON LORENA


Quando éramos meninos, após as correrias em volta do jardinzinho da antiga Praça do Comércio, hoje, Estação Rodoviária, sentávamos nos bancos e os assuntos variavam em sua banalidade própria da idade infantil. Uma noite, o assunto foi Deus. As idéias e as concepções eram as mais simples, como simples as nossas almas ainda sem máculas e sem a endêmica decomposição moral dos costumes modernos. O Zé Teodoro, uma criatura sincera e fiel em sua crença, que há poucos meses nos deixou, cuja memória neste ensejo reverenciamos com todo o respeito que lhe é devido, disse-nos com a sua autoridade de filho de sacristão, que Adão foi feito de barro por Deus, e se tornou homem vivente, porque Deus lhe deu um sopro de vida: que o Padre Brandi, num sermão afirmou isto. Os anos se passam céleres modificando hábitos, conceituação de vida e das coisas. De fato, o Antigo Testamento, nos relata a feitura do homem de barro e à semelhança de Deus. Um amigo nosso, desaparece do cenáculo da terra, deixando-nos saudades e olhos para chorar. Não possuíamos o sopro divino para reanimá-lo, mas seus traços podíamos reproduzir, retratar sua imagem no mutismo do barro. E vencendo todos os obstáculos e dificuldades naturais a um escultor improvisado, conseguimos o seu busto: e, nas três dimensões da obra os filhos que vieram vê-lo, por instantes tiveram diante de si, entre lágrimas de emoção a imagem do Pai. Assim o ser humano se extingue sob a ação do Tempo, o espírito que o animava, permanece indestrutível, dando vida posteriormente a outros corpos, assim também o escultor aproveita a argila servida de modelo, que volta então a criar novas figuras. Com o mesmo barro, já esculpimos três santos, um padre, um presidente, uma virtuosa Senhora, um Amigo, uma escrava, um maestro. A alma humana é a argila que dará ao Ser a forma que a educação recebida houver por bem ou por mal, imprimir, “Seremos tudo ou nada, compete dar à geração que surge o sopro divino da educação, baseado nos postulados do Cristo”. Seremos honestos, honrados, piedosos, velhacos, safados, trapaceiros, modestos, ávidos de poder, egoístas ou fraternos, cristãos ou ateus, tudo dependendo da difícil arte de educar. Não nos é preciso recorrer ao gênio impetuoso, violento, exaltado de Lord Byron, que lhe imprimiu sua mãe, para avaliarmos a extensão e as conseqüências da educação moderna, no manuseio da argila humana, por maus artistas. No declive escorregadio dos filmes pornográficos, das revistas eróticas, da sexualidade irrestrita, da indiferença dos poderes públicos, o carro da civilização descamba sem freios, desmoralizante, incontrolável, cada vez mais distanciado da moral cristã. A insegurança da vida, a fragilidade governamental dos poderes públicos, mesclada de corrupção e desmandos, afastaram da Fé e da Religião os responsáveis pela educação dos filhos que puseram no mundo. E então, no bruxulear da moral cristã ao contemplarmos o sorriso da criança alheia e despreocupada aos horrores da destruição da humanidade pela guerra nuclear que se arma e que os povos “religiosos” promovem, nossos olhos enchem-se de lágrimas e nossos corações de amargas tristezas. Rara é a argila que se consegue manter e sobreviver ao sopro vivificante da moral do Cristo, fonte de toda a felicidade do homem.



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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.


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